Sidney Garambone (*)
Existe um videogame famoso, o Nintendo Wii, que entre seus jogos oferece o Grand Slam. Você cria um tenista avatar e joga em casa contra monstros da história da bolinha amarela. Repentinamente, de chinelos e pijama, o cidadão sedentário, ou de camisola a cidadã sedentária, está travando duelos inimagináveis e históricos contra Rafael Nadal, Pat Cash, Pete Sampras, Borg, Federer, as irmãs Williams e outras lendas.
O usuário, seja adulto ou criança, vai treinando, treinando e quando vê consegue jogar de igual para a igual com as tais feras. Súbito, você comunica para a família que, depois de homéricas batalhas, passando por Nadal na semi e Sampras na final, acabas de triunfar o Aberto da Austrália. Ninguém liga, mas você faz festa, mesmo sem convidados.
E o São Paulo nisso tudo?
Bom, antes de desligar o videogame e cuidar da vida, você resolve seguir adiante no Grand Slam. Só mais um joguinho. Agora em Roland Garros. A máquina te propõe um desafio contra um tenista desconhecido, barbudo, pouco cotado. Sampras e Nadal possuem 5 estrelas, este outro apenas duas. Você ri e pensa: ótima chance para acumular bônus e novas habilidades. Aperta o OK e começa a jogar. Passa sufoco, leva um banho na quadra de saibro virtual e perde a partida.
Para quem você perdeu? Para a empáfia e o complexo de superioridade. Sem eles, a chance de vencer aumentaria. Porque não há problema em ser melhor, o drama é se achar melhor sempre.
E, infelizmente, o discurso do São Paulo ficou inflado e contaminado depois de tantas vitórias maravilhosas que alçaram o clube como o mais laureado do país. Em tão pouco tempo, pencas de Libertadores e Mundiais. E o clube do Morumbi, tão tradicional, passou a ter retórica de novo rico. Contaminando até parte da torcida.
“O campeonato paulista não interessa”.
“Somos hegemônicos”.
“Patrocínio aqui só se pagar muito, afinal somos o São Paulo!”
"Só no meu Refis que os craques se curam”.
Veio o lado bom. A teórica independência política. O São Paulo saudavelmente peita antigas verdades institucionais, em busca de um futebol mais moderno e profissional.
Mas nem sempre a equação funciona. Por isso, alguns matemáticos costumam dar com os algarismos n’água quando resolvem aplicar fórmulas ao futebol. O São Paulo sempre vendeu bem e contratou melhor ainda. Mas há um imponderável. O atleta. O ser humano. E desta vez, a equação morumbiana não deu o resultado desejado. Mesmo assim, convenhamos, chegou à semi-final da Libertadores.
E volta o perigo da empáfia. Qual o problema em perder? O Internacional foi melhor. Parabéns. As críticas em cima de Ricardo Gomes continham também este curioso elemento. Como ELE não consegue vencer com este poderoso e invencível clube?
Viajemos até a Europa. O antes implacável Milan anda num jejum meio chato. Acontece. Não há registro na história da bola de times que vençam sempre. Se o futebol brasileiro não fosse cíclico, não teríamos tantos times grandes com tantas torcidas de massa. Apenas um venceria sempre. E não é assim.
Lá atrás, bem lá atrás, o São Paulo deu uma incrível lição de humildade, baseada numa premissa do russo Lênin. Um passo atrás para dois na frente. Foi na época da construção do Morumbi. A torcida sabia que haveria um período de troféus magros, pois o dinheiro, o investimento e o pensamento estariam juntos aos tijolos do novo estádio em construção. Deu certo.
Talvez os nobres dirigentes são-paulinos possam beber nessa fonte. Não é feio perder. E, para vencer, não basta apenas discurso de supremacia e soberania. Os impérios caem.
E a culpa não é do Baresi.
(*) Jornalista pela UFRJ, Escritor e Mestre em Relações Internacionais
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