terça-feira, 31 de agosto de 2010

O melhor bonde é o da paz social

Ruth de Aquino (*) - raquino@edglobo.com.br

Empresários doaram dezenas de milhões de reais ao governo estadual do Rio de Janeiro, três dias depois da guerra no asfalto entre policiais e o bonde de bandidos da Rocinha, a maior favela brasileira. A doação vai para um fundo destinado a pacificar as favelas e retirar o território e as armas dos traficantes. O fundo será administrado pelo secretário de Segurança, José Eduardo Beltrame. Essa parceria inédita revela um voto de confiança num Rio viável.

Quem critica – só por criticar – as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) está perdendo o bonde da história. Fui à Colômbia há três anos, vi em Medellín e Bogotá antigos focos de miséria, tráfico e bandidagem transformados em comunidades com bibliotecas, clínicas de saúde, ginásios, creches, saneamento e bancos populares oferecendo créditos especiais para pequenas empresas. Orgulhosos, policiais posavam para fotos com moradores do asfalto e dos morros.
Para quem só testemunhou, no Brasil e no mundo, o tiroteio em São Conrado no sábado dia 21, talvez fosse estimulante saber que, uma semana antes, 16 debutantes do Morro da Providência, no centro, comemoraram seus 15 anos com uma festa organizada por policiais da UPP. Beltrame esteve lá e ensaiou passos de valsa. Hoje, as moças das favelas pacificadas, em vez de disputar a atenção de bandidos, querem dançar com policiais, recém-formados pela Academia após dez meses de treinamento. A festa teve vestido bordado, tiara de strass, valsa com velas, fotos e emoção das mães. Já existe lista de espera de debutantes para 2011.

No mesmo fim de semana, na Cidade de Deus, outra favela pacificada, policiais da UPP se reuniram com jovens moradores, em oficinas intensivas de audiovisual, DJ, grafite, break dance, basquete de rua, skate e rap. Dessa vez, o secretário de Segurança dançou break.
É natural que esses encontros festivos não virem manchete de jornal. Talvez nenhum dos leitores desta coluna conheça a recém-inaugurada biblioteca high-tec de Manguinhos, com 40 computadores, 25 mil livros, 900 DVDs, 5 televisões de plasma, 3 milhões de músicas em aparelhos de MP3. Essa “biblioteca parque”, inspirada nas colombianas, atende 16 comunidades da Zona Norte do Rio, com 100 mil habitantes.
A pacificação das favelas é uma revolução lenta e até agora bem-sucedida. Nesse bonde, sobe quem acredita

Uma revolução lenta está em curso. É o bonde da paz social. Sobe nele quem acredita. Como o economista Ricardo Henriques, de 50 anos, contratado para assumir os 197 programas das UPPs sociais. O que Henriques faz, como secretário de Assistência Social e Direitos Humanos, é contribuir para que a pacificação garanta o bem-estar da população carente. Ele entra aos poucos nas dez favelas já pacificadas no Rio.
“Tirar as armas e os territórios dos traficantes é a grande inovação, claro. Mas aí surgem as necessidades básicas”, diz Henriques. “Rua precisa ter nome, baile funk tem de respeitar horários de funcionamento. É preciso ter sinalização, regras de trânsito, saber onde jogar o lixo, a que horas descarregar mercadoria e como reduzir a informalidade na economia.”
Coisas simples que facilitam ou infernizam a vida dos moradores. Em três dias, na Cidade de Deus, 237 pequenas empresas foram formalizadas. Os grandes empresários começam a acreditar na integração.

Eike Batista doará às UPPs R$ 20 milhões por ano até 2014. A Bradesco Seguros, R$ 2 milhões. A CBF dará R$ 1 milhão para construir a sede da UPP da Cidade de Deus. O Metrô está construindo uma praça esportiva no Chapéu Mangueira. Será inaugurada no Dia das Crianças. A Coca-Cola e a Souza Cruz darão R$ 1,3 milhão para construir a sede da UPP Tabajara. A Souza Cruz construiu uma creche no Batan. A Light vai doar um carro de comando no valor de R$ 250 mil, uma espécie de gabinete móvel para o comandante das UPPs. É só o começo.

Ninguém pode ser tão tolo a ponto de supor que as favelas serão transformadas em oásis urbanos com criminalidade zero. Mas, se os traficantes e as milícias perderem seus territórios até 2016, como está sendo prometido, é porque o bonde do bem entrou nos trilhos

(*) Jornalista e diretora da sucursal da Revista ÉPOCA no Rio de Janeiro

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