Bellini Tavares de Lima Neto (*)
Já faz um tempo que essa situação tem me angustiado.
É uma verdadeira espada sobre a minha cabeça me ameaçando quase que todo o tempo e cada vez com mais freqüência. Também, os acontecimentos vão se sucedendo numa velocidade mais e mais vertiginosa. Numa desabalada carreira, como se dizia antigamente e, convenhamos, ainda não se inventou nada mais veloz que uma desabalada carreira.
A cada episódio eu me assusto mais, me sinto mais acuado. No começo nem era assim. Para dizer a verdade, esse pavor nem existia. Eu nunca havia associado uma coisa à outra. Nem de longe eu desconfiava de nada, achava que tudo ia indo muito bem, como sempre foi, aliás. Afinal, nunca foi novidade, essas coisas sempre aconteceram, ou, ao menos, era assim que eu pensava.
Cheguei, mesmo a acreditar que tudo isso já existia muito antes de eu nascer. Mas, aos poucos, tudo começou a mudar. Uma boa parte disso eu atribuo ao extraordinário desenvolvimento das comunicações, da informática. Hoje se fica sabendo de tudo quase em tempo real, isso quando não é em tempo real mesmo. As Torres Gêmeas por pouco não caem na nossa cabeça, de tão instantâneo que tudo aconteceu. Com tamanha eficiência no processo de informação, de comunicação, ninguém mais consegue ficar alheio ao que se passa por esse mundo. É claro que, quando se pensa em mundo, as coisas sempre ficam um pouco mais distantes. Já quando se focaliza o dia a dia do planeta-Brasil, aí está na nossa sala, na nossa cozinha, no nosso quarto e, o que é pior, no nosso banheiro, a incomparável sala de reflexões.
Para não ir muito longe no tempo, vou começar só com a história do que a imprensa batizou de “mensalão”. Não consigo me esquecer daquele sujeito que tem mania de cantor de ópera em frente aos microfones e câmeras de televisão deitando uma falação interminável. Deu nomes, situações, explicou tudo direitinho, causou um alvoroço sem precedentes. A lista dos envolvidos não tinha fim e, pelo tom da conversa, não tinha muita dúvida de que estavam atolados até o pescoço naquela sujeirada toda. Mas, aos poucos, uns foram dizendo que aquilo era perseguição política, outros juraram que não tinham nada com aquilo e um deles, talvez o de maior destaque, informou que não sabia de nada. No fim, não tinha sido ninguém. Eu comecei a ficar apreensivo.
Passou um tempo e explodiu uma história meio macabra envolvendo um comércio safado de ambulâncias e dinheiro público e essas coisas todas. Virou escândalo e ganhou o simpático nome de “sanguessugas”. Foi outra algazarra, gente graúda metida na confusão, acusações sérias, parecia que tinham apanhado os sacripantas. Mas, pouco a pouco, voltaram a ser tocadas as mesmas teclas de antes, a tal perseguição política, as juras de que ninguém tinha nada com aquilo e, outra vez, não se sabia de nada. Outra vez, não foi ninguém e a história foi aquietando. Minha preocupação começou a tomar proporções mais sérias.
Nem bem tinha terminado a história dos “sanguessugas” e apareceu uma outra, tão ou mais mirabolante. Um grupinho de peraltas havia encomendado e pago um “dossiê” para desestabilizar um candidato a um cargo público. Dessa vez pegaram os sujeitos e foi uma confusão sem conta. Afinal, havia uma campanha eleitoral em andamento e a estratégia de inventar acusações contra um dos candidatos poderia facilmente ser considerada um ato criminoso, desses que, ao menos no cinema, levam as pessoas para a cadeia. Mas, como não se tratava de um filme e não se estava no cinema, as coisas, aos poucos, foram amansando, amansando e os autores da traquinagem ganharam um pito do pai de todos. Não sei se chegaram a ficar sem sobremesa. Eu comecei a sentir um inicio de pânico.
Depois disso houve outros episódios semelhantes, um tomando o lugar do outro no interesse geral ou, talvez melhor dizendo, na curiosidade geral. Os desfechos foram sempre iguais. Todos os que, por alguma razão tenham sido envolvidos, sempre conseguiram convencer a todos que não tinham nada com aquilo ou sequer sabiam dos acontecidos. Até que, recentemente, houve essa história da Copa do Mundo e a desclassificação da Seleção Brasileira. Durante um tempão as reclamações contra o técnico se repetiram. “Não tem experiência alguma”, diziam muitos. “É teimoso, está levando o grupo errado”, acusavam outros muitos. “É arrogante, não houve ninguém” decretava uma parcela imensa da terrinha. ”É malcriado e irreverente” protestou a mídia em coro quase uníssono. Mas o homem se manteve intocável, fez exatamente como quis e deu no que deu. Não sei se ele teve culpa ou não, se foi incompetente mesmo, como andam dizendo. O que eu sei é que ele foi colocado no cargo por alguém e foi mantido nele até a derrota final. E, voltando para o país, foi demitido pelo homem que manda nessa história toda. E o homem que manda nessa história toda saiu por aí dizendo que estranhou muito o comportamento de todo aquele pessoal durante a competição e que vai mudar tudo, que vai indicar um outro fulano com tais e tais características. E, pelo tom de suas falas, ficou claro que ele não tem absolutamente nada com o que aconteceu durante esse tempo todo.
]Aí eu não resisti mais. Durante todos esses episódios, todos sempre tiveram justificativas, explicações e conseguiram demonstrar que nada tinham a ver com coisa alguma. Eu tentei fazer a mesma coisa e, pouco a pouco, fui notando que não conseguia. Fui percebendo que eu não tinha nenhum álibi, nenhuma desculpa, por mais esfarrapada que pudesse ser. Resultado: só sobrei eu como culpado de tudo. É terrível ter que admitir, mas só eu não tenho como me explicar. Logo, sou o autor confesso de tudo aquilo. Só que, agora, o golpe foi duro demais: fui o responsável pela desclassificação da seleção brasileira na copa do mundo. Aí não teve como suportar. Estou baixando hospital.
(*) Advogado, agora avô e morador em São Bernardo do Campo (SPo)
Escreve para o site O Dia Nosso De Cada Dia - http://blcon.wordpress.com/
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