Divisão: é preciso olhar além da paróquia
Manuel Dutra (*)
Já não é preciso afirmar que os ressentimentos do Carajás e do Tapajós em direção ao governo do Pará se aprofundam nestes momentos pós-plebiscito: afinal, houve duas vitórias, uma reconhecida, a do Não, e outra relegada, a do Sim. Maciçamente os eleitores destas duas regiões mandaram um recado quase unânime (só o Tapajós foi de quase 99%) informando que não desejam mais obedecer ao governo do Pará.
Essa grave decisão, tomada por 1 milhão e 200 mil votantes, não deve ser observada apenas pelo seu aspecto local, sub-regional, mas deve ser contextualizada no âmbito de uma Região Amazônica secularmente desrespeitada pelo Brasil, onde vivem brasileiros não raro tratados e encarados como brasileiros de segunda categoria, a despeito de raras e louváveis exceções.
Contexto
É preciso localizar a luta pelos novos Estados no contexto de uma Amazônia à qual o Brasil não serve, mas da qual o Brasil se serve, daqui levando minérios, energia, madeira, devolvendo as migalhas que alimentam as favelas e outros amontoados humanos que se formam em torno dos chamados “grandes projetos”. Para o poder central brasileiro e para os poderosos interesses econômicos que espoliam a Região, a Amazônia nunca deixa de ser um eterno “lá” à disposição do capital “daqui”.
Para eles e aqueles aliados seus que “vivem” na Região, a Amazônia nunca deixou de ser tão somente um manancial de riquezas naturais, um imenso espaço belo e exótico onde “não há gente”, apenas possibilidades de lucro e ganância. A riqueza cultural, a diversidade de seus povos são itens estranhos para esse Brasil que entra no século 21 arrastando problemas do século 16.
A região é rica em itens exóticos que permanecem, como um mantra ou cantochão, presentes nas pautas da mídia que, à distância, tenta convencer a todos de que conhece a Amazônia e as suas particularidades.
Exceções
Essa mídia que, vez por outra, abre exceções e ouve pessoas que têm algo diferente a dizer, como o economista Célio Costa, hoje no Globo:
“O governo federal gasta R$ 12 bilhões com a estrutura da máquina federal apenas em São Paulo e apenas R$ 7 bilhões em todos os Estados do Norte, justamente na região Amazônia, que é estratégica para o país”.
“O mesmo ocorre com o número de funcionários públicos federais. Enquanto a região Norte tem 60 mil funcionários federais em todos os Estados, que ocupam 45% do território brasileiro, o Rio de Janeiro tem cerca de 150 mil. Outro dado desta ausência do Estado é o número de universidades federais. Um único Estado, Minas Gerais, por exemplo, tem 11 universidades federais, enquanto a região Norte tem oito”.
Gravidade
“O Brasil tomou conhecimento da gravidade do problema do Pará. O orçamento do Estado é pequeno para um território tão grande, com população tão dispersa, e, além disso, as regiões de Tapajós e Carajás receberam apenas R$ 1,5 bilhão de investimentos, contra R$ 9,5 bilhões da área da Região Metropolitana de Belém e do Pará remanescente”.
Dessa forma, o plebiscito de ontem extrapola, e muito, os limites do Pará, para deixar à mostra o tamanho e a profundidade das desigualdades sociais e regionais do País. O pleito de ontem não deve ser esquecido como um episódio a ser jogado numa gaveta, sob o risco de vê-lo ressurgir mais na frente, com outras conotações e, quem sabe, até carregado de outras motivações.
O Brasil precisa prestar atenção no que ocorreu ontem no Pará, pois, se há uma demanda paroquial, a ela subjazem velhos e graves problemas nacionais que um dia terão que resolvidos, Deus queira que em paz. E a paz, como se sabe, só brota onde há justiça.
(*) Jornalista, blogueiro e professor doutor da UFPA (Universidade Federal do Pará).
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