José Cruz (*)
Terminou um dos mais nebulosos e suspeitos processos dos Jogos Pan-Americanos Rio 2007, que tratava do contrato entre o Ministério do Esporte e a Atos Origin Serviços de Tecnologia da Informação do Brasil Ltda, de espetaculares R$ 140 milhões. Mas, com o aval do soberano Tribunal de Contas da União, está tudo legal, apesar das ilegalidades constatadas.
Detalhes
O processo nº TC 022.752/2007-9, julgado ontem pelo TCU, teve o ministro Walton Alencar Rodrigues, como relator. Ele acolheu os argumentos dos acusado, entre eles o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, e Ricardo Leyser Gonçalves, secretário de Esporte de Alto Rendimento do Ministério do Esporte, para isentá-los de responsabilidade sobre os danos causados aos cofres públicos. E isso ocorreu depois de o TCU ter constatado que o planejamento do sistema de segurança do Pan foi “errado ou inexistente”.
A confusão – ou trapalhada – refere-se à implantação do sistema de controle de acesso às instalações do Pan (credenciais), com uso da tecnologia Radio Frequencie Identification (RFID), em substituição ao sistema de código de barra. O contrato original foi de R$ 112.998.002,00, com um termo aditivo de R$ 28.246.573,00:
A trapalhada ocorreu porque a Agência Brasileira de Inteligência e a Polícia Federal não participaram das decisões preliminares sobre a segurança do Pan 2007. Assim, quando essas instituições chegaram ao Rio para planejar suas tarefas, constataram que o sistema era frágil e inseguro. Pior: o novo sistema contratado não funcionou e a identificação do portador do crachá foi feita visualmente.
Atenção
Leiam o que disseram os fiscais desse contrato, confirmado pelo ministro auditor:
“Desde o início do acompanhamento das ações na área de tecnologia pelo TCU, em fevereiro de 2007, era evidente a fragilidade da coordenação das atividades dos Jogos como um todo, cujo sintoma mais preocupante eram os atrasos das obras das instalações esportivas, com inevitáveis implicações na implantação da infra-estrutura de tecnologia. O relatório de fiscalização referente ao primeiro trimestre de 2007 atestou:
“Durante as visitas (até a primeira semana de abril), foi possível constatar que realmente não existe planejamento preliminar, ou, na melhor das hipóteses, os agentes envolvidos, no caso, os executores ou fiscais das obras, não têm conhecimento dele (...).”
“Especificamente na área de tecnologia, em que foi celebrado o aludido contrato ME n.º 016/2006, era nítida a falta de definição das atribuições dos envolvidos no evento. A equipe de auditoria relatou conflito de competências envolvendo a Secretaria Executiva do Pan 2007– Sepan/ME e o Comitê Organizador-Rio:
A trapalhada
“Depois de contratados os serviços, o Comitê Organizador dos Jogos identificou a inadequações dos sistemas de credenciamento. Como já mencionado no relatório do mês de fevereiro, a impressão causada durante o acompanhamento é que estaria havendo pouca participação do CO-RIO, sobretudo no processo de aceitação dos sistemas desenvolvidos pela Atos Origin, o que poderia ter sido sanado a partir de entrevistas com os usuários finais dos sistemas.”
Jogo de empurra
“Entretanto, quando a Equipe tentou agendar reunião com representantes dos usuários de tecnologia do CO-RIO, a primeira resposta foi que o contato deveria ser feito com o Governo Federal, responsável pela área. Após alguma insistência, a reunião foi agendada. O conflito detectado entre os setores governamentais e o CO-RIO ficou explícito em 18/4/2007, na reunião da Comissão de Tecnologia - Cotec, como se vê no relatório de fiscalização:
“A constatação da Comissão de Tecnologia é que o planejamento do Pan foi “errado ou inexistente‟, com dificuldades de operacionalização das ações porque o “modelo é fragmentado, não há um gestor‟.
“A deficiência de planejamento vem sendo utilizada como justificativa para inclusão ou alteração de numerosas demandas, cada vez mais emergenciais e, portanto, com menos tempo para análise (...).” (grifo meu, pois é o que já ocorre com as obras da Copa do Mundo)
“Portanto, o quadro era de deficiência de coordenação das atividades e atrasos na entrega da infra-estrutura necessária à implantação dos serviços de tecnologia.”
“Não obstante o quadro descrito, em dezembro de 2006, a pouco mais de seis meses da abertura dos jogos, a Comissão de Tecnologia, em decisão unânime, deliberou a profunda alteração do sistema de controle de acesso às instalações, para que fosse utilizada nas credenciais, em substituição à tecnologia de código de barras prevista no contrato ME n.º 016/2006, etiqueta de rádio freqüência (RFID), contendo informações criptografadas do portador.”
Apesar de seu elevado custo, o sistema de acesso baseado na tecnologia RFID não atingiu o nível de segurança pretendido, principalmente nos primeiros dias do evento, em que se verificou controle de acesso mediante a simples inspeção visual de crachás. (grifo meu). Vejam bem nas mãos de quem estava o planejamento dos Jogos.
Isentos
“Entretanto, a não utilização exclusiva do dispendioso sistema contratado não pode ser imputada aos responsáveis arrolados nestes autos. O funcionamento do novo sistema foi comprometido, essencialmente, pela exiguidade de tempo para sua implantação, teste e operação. O sistema de credenciamento e acesso às instalações físicas dos Jogos por código de barras foi definido e contratado antes da indicação do órgão responsável pela segurança pública do evento, impossibilitando, assim, uma análise adequada, à época do contrato original, das exigências de controle de acesso às instalações.”
“A decisão de utilizar um sistema de controle de acesso baseado na tecnologia RFID foi tomada a partir da intervenção da Secretaria Nacional de Segurança Pública, Abin e Polícia Federal, que não integravam originalmente o Comitê de Gestão. Ao serem incluídos no projeto, concluíram pela necessidade de adotar requisitos mais rígidos de segurança para as áreas de acesso restrito, de sorte a reduzir riscos de falsificação, roubo e clonagem de credenciais de acesso.”
Argumentos
“Não se pode desconsiderar que muitas foram as dificuldades e desafios enfrentados pelos gestores em face do ineditismo dos Jogos Pan-americanos e da anormalidade de suas demandas. Mais que um simples complicador para a organização do evento, o ineditismo configura fator que, somado às demais razões deste Voto, motiva o acolhimento das justificativas dos gestores.”
“Assim, apesar de o procedimento adotado pela Sepan não ter sido regular, as circunstâncias que o cercaram reduzem a gravidade do fato, destacando-se, entre elas, o ineditismo da solução contratada, a dificuldade de obter preços que pudessem servir de parâmetro, a premência da contratação, a cautela do gestor em requerer e examinar a pesquisa de preço da contratada, a negociação com a contratada para a glosa do débito apurado pela Sefti e a ausência de indícios de má fé.”
O processo foi arquivado e não se fala mais nisso.
(*) Jornalista e qu7e cobre há mais de 20 anos os bastidores da política e economia do esporte, acompanhando a execução orçamentária do governo, a produção de leis e o uso de verbas estatais na área esportiva.
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