Luciano Pires (*)
Durante um almoço antes de uma de minhas palestras, meu amigo Nelson Bastos conta que foi aos Estados Unidos nas férias. No programa, "assistir com meu filho a um jogo de basquete da NBA em Orlando, no Amway Arena, um espetacular ginásio de esportes". Ainda no Brasil, Nelson comprou os ingressos pela internet e embarcou para Nova Iorque. No dia de ir para Orlando, uma nevasca impediu o vôo e eles perderam o jogo. Diante do inevitável, Nelson fez o que todos nós brasileiros fazemos: conformou-se.
Alguns dias depois, já de volta ao Brasil, ele recebe um email da Amway Arena dizendo que perceberam que ele não foi assistir ao jogo. E gostariam de saber a razão. Surpreso, Nelson relatou o acontecido. Mais surpreso ainda, recebeu uma resposta dizendo que o ingresso que ele havia comprado incluía um seguro para casos assim. E perguntando:
- O senhor gostaria de utilizar o seguro?
Nelson concordou e recebeu pelo correio um cheque de cerca de 120 dólares, cobrindo o prejuízo com o qual ele estava conformado.
Putz! Para nós que temos que sair no tapa para tirar o bicão da cadeira numerada que adquirimos nos principais estádios do Brasil pagando uma pequena fortuna; que temos que usar um banheiro imundo; que pagamos uma nota para um guardador de carros não riscar nosso automóvel; que corremos risco de vida a cada vez que vamos a um estádio, o relato do Nelson é peça de ficção. Científica.
Essa história tem muito a dizer com relação à competência técnica e profissional dos norte americanos. Alguém lá criou um programa capaz de perceber que o Nelson não apareceu para ver o jogo. Provavelmente o mesmo programa encontrou os dados dele no registro feito para a compra dos ingressos e disparou um email para averiguar a razão. E diante da explicação (que deve ter sido lida por uma pessoa de carne e osso), alguém não hesitou em oferecer o ressarcimento, mesmo sem o Nelson pedir. Aliás, ele desconhecia o lance do seguro... Não é fantástico?
Pois é. Mas sabe o que realmente me chamou a atenção? Não foi a competência técnica ou profissional. Foi o que eu chamo de “competência moral.”
Alguém tomou a decisão moral de ressarcir quem foi prejudicado, o que de certa forma é de se esperar. Mas a verdadeira profundidade da decisão moral foi: não vamos esperar que a pessoa reclame, vamos nos antecipar e avisar que ela tem direitos e perguntar se quer valer-se deles.
Você consegue imaginar uma situação assim aqui no Brasil? Deixe de lado a questão estrutural, se temos ou não computadores e gente capaz para implementar um processo idêntico. Concentre-se na pergunta que realmente interessa: temos a competência moral para respeitosamente avisar a pessoa que ela tem um direito? Ou vamos optar pelo velho: “Deixa quieto. Ele nem vai perceber...”?
Pois é. Competência técnica e profissional tem jeito, o dinheiro pode comprar. Mas competência moral, ah, isso vem lá de um lugar que o dinheiro não alcança.
Por isso vai demorar um pouco pra gente chegar lá.
(*) Palestrante, Escritor, Jornalista, Cartunista, Executivo, Radialista, Comunicador Multimídia, Empresário.
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