terça-feira, 5 de abril de 2011

As lojas da China

Rui Daher (*)

Antes de receber calçamento e iluminação a gás, em meados do século XIX, a Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, era o acesso ao Trapiche de Ver o Peso do antigo porto da cidade. Com a abertura dos portos, tornou-se importante rua de comércio.
Junto a discos fonográficos (Casa Edison), calçados (Clark), máquinas de costura (Singer), joalherias e escritórios de firmas inglesas, lá ficava a Loja América e China.

Em São Paulo, na década de 1950, minha mãe me levava à Loja da China, na Rua São Bento, para comprar papel crepom. Fundada por um português, em 1822, anúncio publicado no "Almanaque Literário" de 1884, fazia o público saber que a casa fabricava velas de cera e vendia rapé, lanternas de papel, chá da Índia, sementes e chocolates.
Épocas em que o "vir da China" significava raridade, excentricidade, algo longínquo e difícil.

Há exatamente um ano, em dois textos sucessivos, a coluna comentou o movimento de investimentos chineses na direção das agriculturas da América Latina e da África. Já não mais justificados pela expansão do comércio entre Portugal e Ásia.
Uma questão lógica, se explicada pela população de mais de 1,3 bilhões de pessoas, histórico de 30 anos de crescimento econômico acelerado e necessidade de alimentos limitada pelas condições climáticas e de relevo do país.

Apesar dos expressivos aumentos no PIB, da pujança do comércio exterior e da evidência de que desbancou a hegemonia das economias ocidentais, a China ainda é um país de enormes desigualdades.
Ao privilegiar os setores industrial e da construção civil, nas décadas de 1980 e 1990, o governo chinês promoveu um forte êxodo da área rural para as cidades. A população urbana que era de 10% do total, hoje está em 50% e tendência crescente. Uma mobilidade que, pela oferta, limita a remuneração dos migrantes e, pelas leis, seus direitos de cidadãos.


Essas situações, no entanto, não passam ao largo do governo. Muitas correções de rota estão sendo feitas, mas que ainda nem arranham a dificuldade do país em sair de um sistema econômico e social 100% coletivizado para o modo de produção capitalista.
É no bojo dessa contradição que precisa ser vista a internacionalização que a produção chinesa promove em Brasil, Argentina e alguns países da África. Terras agricultáveis, empresas dos setores de alimentos, minérios e energia estão no periscópio do submarino amarelo e vermelho.

No Brasil, começaram pela compra de terras e jazidas, e apenas no ano passado o governo abriu os olhos para dificultá-la. Penso que em vão. Primeiro, porque a nova legislação ainda não está regulamentada - é prevista ser encaminhada ao Congresso neste semestre. Segundo, porque muita água já rolou por baixo da ponte e de "laranja" entendemos muito.
Agora, o estardalhaço é com os projetos associativos de produção, os acordos de exportação. Comitivas chinesas suam camisas pelos campos do centro-oeste, do oeste baiano e de Tocantins atrás de parcerias.

Prometem bilhões de reais de investimentos em plantio de soja com alta tecnologia, beneficiamento e infraestrutura. Aos parceiros caberia entregar a oleaginosa nos portos a navios destinados à China.
Mais do que garantir suprimento e evitar flutuações de preço da soja no mercado internacional, a China, através de seu Ministério do Comércio, diz que seu objetivo é romper a intermediação de empresas norte-americanas.

Por que não? Afinal, no passado, o líder chinês Mao Tsé-Tung (1893 - 1976) afirmou: "A bomba atômica é um tigre de papel que os reacionários americanos usam para assustar as pessoas".

(*) Administrador de Empresas, consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola. 

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