domingo, 12 de dezembro de 2010

Migrantes, refugiados e o Natal

Dom Odilo P. Scherer (*)

No Natal comemoramos uma vez mais o nascimento de Jesus Cristo, ocorrido há mais de 2 mil anos. O evangelista São Lucas conta-nos que os pais de Jesus eram de Nazaré, na Galileia, mas na condição de migrantes forçados encontravam-se em Belém, na Judeia; não houve acolhida nas casas para eles - "não havia lugar para eles" - e Jesus teve de nascer fora da cidade, num abrigo para animais (cf. Lc 2,7). Logo em seguida, o rei Herodes quis matar o menino Jesus, porque via nele uma ameaça ao seu trono. Então, Maria e José fugiram às pressas, para salvar o menino, e viveram como exilados no Egito (cf Mt 2,13-15).

O cristianismo começa, pois, com fatos de migração forçada e exílio. O Filho de Deus, vindo ao mundo, conheceu logo as inseguranças e angústias da humanidade; por isso, a Igreja fundada por ele entende ser também seu dever estar ao lado dos que continuam a sofrer o desrespeito aos seus mais elementares direitos. E convida a humanidade a superar suas divisões, relações injustas e a indiferença diante daquilo que avilta a dignidade do próximo.

A Comissão Católica Internacional para as Migrações (CCIM) é um organismo fundado em 1951 pelo papa Pio XII, com sede em Genebra, na Suíça, para unir e coordenar os esforços das associações e obras que já se ocupavam dos migrantes e refugiados e para suscitar novas e eficazes iniciativas em favor dos muitos desalojados e desenraizados pela 2.ª Grande Guerra Mundial. A comissão nunca mais parou de trabalhar. Guerras sucessivas, desigualdades econômicas e outros fatores continuaram a produzir milhões de migrantes e refugiados em todo o mundo. Nos anos 60, empenhou-se no socorro a refugiados políticos por causa das ditaduras e guerrilhas na América Latina; nos anos 70, centenas de milhares de pessoas foram socorridas no Sudeste Asiático, sobretudo por causa da Guerra do Vietnã. Nos anos 80, os refugiados do Leste Europeu precisaram ser socorridos.


Os conflitos na região balcânica, nos anos 90, deram origem a novas levas de refugiados, que precisaram ser socorridos e realocados; no mesmo período, tensões étnicas no continente africano criaram situações de verdadeira calamidade humanitária; a CCIM, mais uma vez, entrou em campo para socorrer populações feridas e indefesas no Burundi e na Guiné. Agora faz o mesmo no Afeganistão, no Iraque e no Sudão... No Sudeste Asiático, tsunamis, enchentes e catástrofes naturais, além de conflitos e miséria, não cessam de pôr em marcha milhões de pessoas à procura de abrigo seguro. Ondas migratórias atravessam o Mediterrâneo e o Caribe, muitas vezes em embarcações frágeis e superlotadas, ou cruzam as fronteiras secas do México e também do Brasil.

Mulheres, crianças e idosos são as maiores vítimas.

A CCIM continua com sua atenção voltada para a recolocação de refugiados, especialmente os mais vulneráveis. Ao contrário do que se poderia imaginar, são relativamente poucos os países dispostos a acolher refugiados. A comissão atua em sintonia com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), com a Cruz Vermelha e com a Cáritas Internacional. A questão tem implicações políticas, que precisam ser trabalhadas nas instâncias internacionais competentes. O papa Bento XVI bem recordou, na encíclica Caritas in Veritate, que nenhum país consegue enfrentar sozinho a questão migratória e, por isso, deve haver uma conjugação de esforços em âmbito internacional. Torna-se sempre mais necessário desenvolver políticas globais para as migrações a fim de harmonizar os esforços internacionais com as normas locais, para salvaguardar a dignidade e os direitos das pessoas e das famílias migrantes (cf. n. 62).

A comissão empenha-se na defesa da dignidade e dos direitos dos migrantes e refugiados; e não é sem razão, pois numa massa tão grande e tão fragilizada também medram organizações criminosas dispostas a explorar de forma desumana essas pessoas. O tráfico de pessoas para a exploração sexual, a mão de obra semiescrava e até para o comércio de órgãos é um fato vergonhoso para a civilização do século 21 e envolve números alarmantes.

Recentemente, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estimou que a cada ano cerca de 2,4 milhões de homens e mulheres caem nas redes desses inescrupulosos mercantes de seres humanos. Muitas vezes, depois de terem pago a peso de ouro as promessas de documentos, emprego e moradia a seus exploradores, essas pessoas são abandonadas à própria sorte em alto mar, em embarcações à deriva; outras vezes, ao chegarem ao sonhado país da liberdade e da prosperidade, são recolhidas em campos de prófugos, que mais parecem campos de concentração, ou são imediatamente devolvidas ao país de origem, com todo o sofrimento e os riscos que isso comporta. A dignidade dessas pessoas é aviltada completamente.

Mas voltemos ao Natal: o Filho de Deus veio unir na fraternidade e na paz toda a humanidade. Somos todos parte de uma única família de povos, raças, culturas, irmãos uns dos outros, de filhos e filhas amados por Deus. Esta é a grande mensagem do Natal para a humanidade; conforme o anjo anunciou aos pastores de Belém (cf. Lc 2,10), "será uma grande alegria para todo o povo!"

A comemoração do Natal se expressa em gestos de solidariedade, amor desinteressado, perdão e acolhida simples e fraterna. Por que será? Será por uma trégua do poder do egoísmo que governa o mundo? Acho que não. São manifestações da inquieta nostalgia do bem que há no coração do homem, daquilo que há de mais verdadeiro e genuíno em nós.

Que bom seria se fosse Natal todos os dias!

Não haveria mais migrantes forçados nem refugiados.

(*) Cardeak-Arcebispo de São Paulo


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