Bellini Tavares de Lima Neto (*)
Afinal, quais e quantos serão os sonhos que alimentamos ao longo da vida inteira? Existem alguns que já viraram chavões: saúde, riqueza, felicidade. O primeiro e o segundo não dão muita margem a especulações. Afinal, não há como filosofar muito a respeito de saúde. De um modo geral, a idéia é bem clara, mesmo que, na maioria das vezes, não se siga com muito rigor nenhuma receita para a saúde perfeita.. Riqueza já poderia comportar alguma discussão, alguma teorização. Sempre vai haver os que procuram o sentido mais abstrato da palavra. Riqueza é ter amigos, é ter um casamento perfeito, é ter saúde e por aí vai. Mas a grande maioria tem uma idéia bem mais simples e definida a respeito de riqueza. É um monte de dinheiro. E se vier de um polpudo premio da loteria, mais engraçado, ainda. O que vem depois, quase todo mundo sabe: trabalhar, nunca mais, só passeio, carros de luxo, mansão com piscina, outra na praia. Talvez seja por isso que tão pouca gente consiga realizar esse sonho dourado. E a tal felicidade? De todos os chavões, esse é que realmente dá pano para a manga e assunto para todos os gostos. Logo de começo, a primeira dificuldade: como se define felicidade, o que significa realmente a felicidade? Pouca coisa assanha mais os poetas e os filósofos do que isso. Não é por nada que tanta gente já filosofou, proseou e poetou a respeito, desde as frases de pára-choque de caminhão até os grandes tratados que até hoje desafiam a compreensão humana.
Se fosse o caso de fazer a felicidade ser representada por uma figura geométrica, quantos lados ela deveria ter? Triângulos, quadrados, hexágonos, nada disso seria nem de longe suficiente para materializar a felicidade. Talvez essa figura nem exista e se existir, é provável que não tenha um nome. Os lados teriam que ser muitos e um desses, reconhecido ou declarado repetidamente é a realização pessoal. O que, por certo, não ajuda muito no esclarecimento ou definição de felicidade. Em que é possível alguém se realizar? Ouvi, certa vez, um sujeito dizer que a coisa que ele mais gostava de fazer na vida era ser borracheiro. Sim, o dono de uma pequena borracharia situada em algum lugar do qual nunca mais vou conseguir me lembrar, fez exatamente essa declaração. “O que eu mais gosto na vida é ser borracheiro”. E não estava ironizando, não, garanto. Que filósofo se atreveria a dissertar a respeito? Tive uma grande e saudosa amiga que nos deixou vitimada por um AVC em pleno escritório de advocacia. Dias depois, conversando com um amigo comum, lamentávamos o fato de ela ter trabalhado tanto e ter-se ido de forma tão abrupta, sem gozar as delícias da vida. Foi quando nos perguntamos: “o que é que ela mais gostava de fazer na vida?” Justamente de advogar. Então? O anônimo borracheiro seria um sujeito realizado e, portanto, feliz? E a minha querida amiga, teria se sentido realizada e feliz por ter vivido quase toda a sua vida advogando a ponto de ter sido isso que a ocupava no momento em que resolveu buscar novos horizontes?
E, o que dizer da importância, da repercussão, da grandiosidade daquilo que se faz para se poder alcançar a realização e, quem sabe, a felicidade? Atuar como borracheiro é algo assim tão relevante a ponto de poder suportar o pesado encargo da realização pessoal? Ou seria preciso advogar para isso? Ou quem sabe, escrever tratados ou presidir organizações internacionais ou compor um invejável e inesquecível acervo musical, literário ou algo do gênero? O ganhador de um prêmio Nobel terá mais material de suporte para se sentir realizado, que um mestre de obras ou um contador? Como sempre, eu não tenho respostas, só palpites. E o meu palpite é que não é aí que reside o conteúdo.
Recentemente chegou à mídia a noticia de morte de um senhorzinho já entrado em anos, que recebeu, na pia bastimal, o nome de Alberto Alves da Silva. Mais precisamente, contava 89 anos de idade, o que não é pouco. Nesse tempo todo, será que ele teve chances de se tornar um sujeito realizado? O que será que fez o “Seu Alberto” com todo esse tempo que teve por estas bandas? Será que legou alguma coisa, contribuiu para que pessoas rissem ou chorassem? Terá tido a chance ou a competência para ter alcançado a felicidade? Pois é. “Seu Alberto” sempre foi metido com essas coisas do samba e do carnaval. Será que isso seria assunto suficientemente sério para que alguém possa se sentir realizado, lembrado, ovacionado? Não sei. Os filósofos talvez saibam a resposta. O que eu sei é que “Seu Alberto”, pouco ou nada conhecido pelo nome de batismo, ganhou o coração de uma multidão de gente como sendo o “Seu Nenê da Vila Matilde”. Para quem não sabe, Vila Matilde é um bairro simples da zona leste de São Paulo e o que o “Seu Nenê” fez foi fundar a "Escola de Samba Nenê de Vila Matilde”. Em 1947. E esteve a frente dela por simples 47 anos. Com ela ganhou carnavais, perdeu outros e até foi rebaixada para o chamado “segundo grupo”. Sem nunca perder a alegria, o ânimo, a disposição, o amor pela sua criação. Um mundo de gente foi feliz e infeliz com o que o “Seu Nenê” criou e pelo que viveu a vida inteira. E quem já viveu, ao menos um pouco, com essa gente que ama o Carnaval, sabe da intensidade do amor que têm pela sua escola. Ainda mais quando a “sua escola” é sua no sentido mais concreto e real da palavra.
Será que o “Seu Alberto” partiu de peito estufado, prenhe de alegria por ter conseguido atingir a realização e sido feliz? Não sei. Os filósofos e os poetas talvez tenham a resposta. O que eu sei é que São Paulo teve até uma garoazinha extra no dia em que o “Seu Alberto” resolveu mudar de ares. E, tem mais: não me consta que ele tinha ficha suja, não.
(*) Advogado , avô recente e morador em S. Bernardo do Campo (SPO). Escreve para o site O Dia Nosso De Cada Dia - http: blcon.wordpress.com
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