domingo, 7 de novembro de 2010

A ganância do poder

Lula ressuscita a CPMF para vingar-se dos que sepultaram o sonho do terceiro mandato
Augusto Nunes (*)

Se abraça e afaga até um Fernando Collor, se não o constrange beijar a mão de um Jader Barbalho, se é capaz de enxergar uma batina imaculada no jaquetão de um José Sarney, como entender o tratamento rancoroso dispensado pelo presidente Lula aos senadores que, em dezembro de 2007, decretaram a extinção da Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras? Se o aumento da arrecadação compensou a perda dos R$ 50 bilhões recolhidos anualmente, se está provado que o governo nunca investiu no sistema de saúde o dinheiro da CPMF, como explicar o esforço obsessivo do presidente para antecipar a morte política dos autores da desfeita, e completar a revanche com a ressurreição do imposto do cheque?

Por que tamanho e tão duradouro ressentimento? Porque o fim do tributo foi também o fim do sonho, esclareceu a colunista Dora Kramer, com a argúcia habitual, no Estadão desta sexta-feira. “A derrota na votação da CPMF no Senado enterrou o projeto do terceiro mandato”, lembrou. “Ali ficou claro que, se passasse pelos deputados, pelos senadores não passaria. Portanto, aquela não foi uma derrota qualquer. Foi uma derrota política surpreendente e definitiva”. Perfeito. Onde os brasileiros comuns veem um imposto a menos, Lula sempre enxergará o confisco dos quatro anos a mais.

“Peço que nossa oposição não faça contra Dilma a política que fez comigo, a política do estômago, a política da vingança”, fantasiou nesta terça-feira o infatigável carrasco da verdade. A sorte de Lula foi lidar com uma oposição parlamentar pusilânime. Em agosto de 2005, por exemplo, as estarrecedoras revelações do marqueteiro Duda Mendonça empurraram o chefe para a beira do penhasco. Foi poupado do impeachment pela tibieza dos adversários. De lá para cá, o sono sem sobressaltos foi-lhe assegurado pela superlativa tibieza dos adversários e pela nenhuma vergonha dos companheiros. O Senado só não engoliu a CPMF. O problema é que esse é o outro nome do terceiro mandato.

A “política do estômago, a política da vingança” ─ essa quem praticou todo o tempo foi o presidente grávido de ressentimento. Nas eleições municipais de 2008, por exemplo, acampou em Natal para exigir do eleitorado a derrota da candidata apoiada pelo senador José Agripino. Neste ano, fez o que pôde e também o que a lei proíbe para impedir a reeleição do potiguar Agripino, do amazonense Artur Virgílio e do cearense Tasso Jereissati. Na semana passada, num comício no Piauí, comunicou à plateia que a derrota dos senadores Mão Santa e Heráclito Fortes, candidatos à reeleição, foi “uma vingança de Deus”. É um dos codinomes de Lula.

O triunfo nas urnas não bastou. Para completar a vingança, o chefe aproveitou a entrevista ao lado de Dilma Rousseff para exumar o defunto. Ao longo da campanha presidencial, a sigla não foi mencionada uma única vez. Os candidatos a governador nem lembraram que a CPMF existiu. Eleita, Dilma afirmou que não pensava em nada parecido com o imposto do cheque. Mas a palavra do Mestre está acima da coerência, da honra e da altivez. Os governadores do PSB assumiram a paternidade da malandragem, a presidente eleita se dispôs a tratar do assunto e a tropa avança em direção ao bolso dos brasileiros.

“As urnas deram ao partido a obrigação de fazer uma oposição forte, sem concessões”, disse o senador Sérgio Guerra na carta enviada na quinta-feira aos militantes tucanos. “A luta pela democracia não se faz só em época de eleições, mas todos os dias, em todos os lugares, reais ou virtuais”. O presidente do PSDB leu corretamente a mensagem emitida por 43 milhões de eleitores insatisfeitos: a luta política é um eterno recomeço. O fim de uma campanha eleitoral anuncia o início da próxima. E a um democrata oposicionista cumpre fazer oposição — sem ódios, mas sem tréguas.

Para vingar-se dos que lhe negaram o terceiro mandato, Lula resolveu castigar todos os brasileiros com a ampliação da carta tributária. Como em 2007, o Congresso não ousará ignorar a voz das ruas. O imposto do cheque não deixou saudade e não faz falta. Deve continuar na cova rasa em que está.

(*) Ex-Diretor do Jornal do Brasil, do Jornal Gazeta Mercantil e Revista Forbes. Atualmente na Revista Veja. 


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