Augusto Nunes (*)
Neste 1° de novembro, o presidente da República prometeu que só se pronunciaria sobre algum assunto se Dilma Rousseff pedisse. Em homenagem à sucessora, passaria a agir com a discrição recomendável a chefes de governo em fim de mandato. Antes que a segunda-feira terminasse, comentou o resultado da disputa presidencial, elogiou Dilma, atacou José Serra, declarou que a mulher brasileira é tratada de modo preconceituoso pela oposição, sugeriu a permanência de Henrique Meirelles no Banco Central e de Guido Mantega no Ministério da Fazenda.
No dia seguinte, depois de mais elogios a Dilma, recomendou-lhe que mantivesse Nelson Jobim no Ministério da Defesa e Fernando Haddad no Ministério da Educação, disse como deve ser feito o ajuste fiscal e afirmou que Serra saiu da campanha menor do que entrou. Na dia 3, festejou a maioria governista no Congresso, desdenhou da minoria e repreendeu, de novo sem identificar os invejosos profissionais e os traidores da pátria, “essa gente que torce ontra o Brasil e contra o governo do torneiro-mecânico”.
Ainda na quarta-feira, comentou o teste de escrita e leitura a que será submetido o companheiro Tiririca, ressaltou a necessidade de uma reforma tributária, defendeu a ressurreição do imposto do cheque, analisou o sistema de saúde, fez observações sobre a profissão de jornalista, queixou-se do tratamento que lhe foi dispensado pela oposição e ensinou que Dilma merece ser tratada com mais polidez.
Um chefe de Estado de paragens civilizadas demoraria pelo menos três anos para examinar com seriedade um buquê de nomes e assuntos tão vasto e diversificado. O presidente mais falante da história precisou de apenas três dias para liquidar a pauta, numa discurseira tão rasa que, na imagem de Nelson Rodrigues, uma formiga poderia atravessá-la com água pelas canelas. É assim há oito anos. E assim será até 1° de janeiro de 2011.
Para os brasileiros que não tiveram a lucidez confiscada pela Era da Mediocridade, o palavrório diário é mais aflitivo que o barulho produzido por 500 caças a jato, 5.000 britadeiras, 50.000 vuvuzelas, 500.000 bebês berrando ao mesmo tempo. Apaixonado pela própria voz, excitado pelos aplausos das plateias amestradas, Lula tem algo a dizer sobre tudo, do amigo atômico Mahmoud Ahmadinejad à escalação do Corinthians, da crise do Oriente Médio à própria vida conjugal. Só emudece por algumas horas quando um escândalo cai na boca do povo ou cai um avião na pista de Congonhas.
Daqui a 57 dias, Lula aprenderá que o país subserviente com chefes de governo sabe ser cruel com quem deixou o cargo. Um acesso de tosse do presidente é candidato a manchete. Um ex-presidente só conseguirá aparecer no jornal em edições sucessivas se virar serial killer de filme americano e matar um eleitor por dia. Dilma Rousseff pode até informar no discurso de posse que, a partir daquele momento, todos os brasileiros se tornaram bilionários. Não será mais aplaudida que o ponto final do falatório de despedida. Milhões de tímpanos exaustos poderão comemorar o sumiço do flagelo sonoro.
A voz roufenha e incontrolável só terá um microfone permanentemente por perto se Lula virar leiloeiro ou camelô. Será a melhor notícia de 2011.
(*) Ex-Diretor do Jornal do Brasil, do Jornal Gazeta Mercantil e Revista Forbes. Atualmente na Revista Veja.
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