segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Devia ser proibido perguntar

Bellini Tavares de Lima Neto (*)

Foi logo depois das eleições, um ou dois dias. Entrei no posto de gasolina próxima de onde moro. Carro que muita gente usa é sempre assim. Alguém sempre tem que se arrastar até o posto mais próximo rezando para que a gasolina seja generosa ao menos mais um pouquinho e chegue até a bomba de combustível. Lá estou eu dando de beber ao veículo auto-motor e prestando atenção à conversa alheia. Esse é um dos muitos defeitos que eu carrego comigo e que, certamente, ainda vão me carregar para o inferno. Dizem que a curiosidade mata. Se for verdade, eu estou em maus lençóis. O que me consola é que, a menos por conta disso, nunca vou morrer de solidão, pois o que não falta é companhia na quadra desses pecadinhos. Lá estou eu, então, espichando a orelha para escutar a conversa de um cliente com um dos frentistas. Conversa quente. O cliente espinafrava o frentista por que o tal acabou confessando que tinha votado no palhaço Tiririca. O homem parecia escandalizado e interpelava o frentista com força. Como é que ele podia ter cometido um absurdo daqueles? O eleitor interpelado tentou contra-argumentar, mas o cliente estava implacável, fosse porque parecia mesmo indignado, fosse por conta do consagrado ditado que reza que o cliente sempre tem razão. O frentista deve ter dito que era adepto de um determinado partido (a conversa já tinha começado quando eu cheguei, por isso não peguei tudo). O cliente, então, estocou mais uma vez dizendo que, nesse caso, ele deveria ter votado na legenda do seu partido. O frentista continuou engasgando diante do cliente inconformado. E, nessa altura, o nosso já acuado frentista saiu-se com um argumento arrasador: “mas, me diga, então: tinha alguém melhor para se votar?”

A vitória esmagadora do moço do picadeiro obriga a se refletir um bocado a respeito. Os mais antigos, bem mais antigos, poderão argumentar que se trata de uma repetição do episódio “Cacareco”, um rinoceronte que foi eleito quase que por aclamação numa eleição para a Câmara de Vereadores em São Paulo. Esse talvez tenha sido o episódio pioneiro. Depois dele, começaram a chover candidaturas no mínimo bizarras. E essas candidaturas causam um múltimo de sentimentos. Há os que ficam indignados, há os que se escandalizam, há os que se divertem, há os que aproveitam para debochar de tudo e de todos como se fosse uma vingança pelos legados que a política tem oferecido ao povo em geral. E há os que simplesmente nem pensam nisso ou em qualquer outra coisa. Seja por qual motivo for, o fato é que o palhaço Tiririca recebeu uma votação mais do que expressiva, se elegeu ao cargo de deputado federal embora, de acordo com as suas próprias palavras, não saiba o que faz um deputado federal, mas contaria a todos caso viesse a ser eleito. Foi e agora, quem sabe, nos esclareça. E, na esteira de sua estonteante votação, acabou levando, a reboque, gente dita ilustre que, sem sua figura caricata e ridícula, não teria conseguido chegar às portas do paraíso federal.

Mas, como nem tudo são flores, o singelo palhaço já está enfrentando suas tormentas. Corre contra si uma investigação formal sobre se ele é ou não é analfabeto. E, mais do que isso, também deverá responder a uma acusação de ter fraudado o documento apresentado para comprovar sua condição de alfabetizado. Tudo isso pode levá-lo até, em tese, a ter que cumprir pena de prisão caso venha a ser condenado. Além de ver sua eleição anulada, com a perda de todos os votos que lhe foram concedidos. Se isso vai acontecer, especialmente a segunda parte do seu inferno astral, já é difícil de prever, sobretudo porque afetaria um bocado de gente graúda. Há, no entanto, um tanto de questões que ficam saltando à minha frente e mexendo com a minha incontrolável curiosidade: a quem se deve a condução dessa triste e singela personagem a um redemoinho dessa ordem? Quem é que foi tirar o palhaço de seus afazeres prosaicos para guindá-lo à condição de palhaço federal e passar a ser alvo das pedras que, certamente, não faltarão? Quais são os critérios adotados por um partido político para conceder legenda a um candidato dessa natureza? Teria ele ido bater às portas do tal partido e pedido o direito de concorrer a uma vaga no Congresso Nacional? Se eu, ilustre e deslustrado sujeito anônimo, me dirigir a um partido político desses para pedir legenda, seria, ao menos, recebido? Imaginando que eu tivesse um programa político do mais alto gabarito, rico em soluções para os problemas nacionais, conseguiria, ao menos, ser ouvido? Seja em que escala for, qual será o grau de seriedade, de lisura, de honestidade de propósitos e princípios que regem os partidos políticos que perpetram candidaturas dessa ordem?

Qualquer um, medianamente ou até mediocremente inteligente como é o meu caso, seria capaz de fazer uma lista interminável de perguntas dessa espécie, envolvendo candidaturas como as do palhaço Tiririca que, agora, corre o risco de se tornar um celerado, um marginal enquanto, até bem pouco, não era mais que o moço com jeito de sem graça que cantava a historinha da Florentina, inofensivo ou, quando muito, ofensivo aos parâmetros estéticos do bom gosto. Da mesma maneira que todo mundo teria perguntas e mais perguntas sobre o assunto, é claro que todos também tem as respostas na ponta da língua. O que, infelizmente, não tem alterado em nada o estado de coisas. Avançamos do Cacareco para o Tiririca passando pelas figuras mais extravagantes que possa imaginar a fertilidade mental de qualquer um. E, de repente, eu me vejo de volta ao posto de gasolina e à conversa entre o cliente e o frentista. A veemência do homem que praticamente nocauteava o frentista sofreu um forte freio diante da pergunta do nocauteado: “mas, me diga, então: tinha alguém melhor para se votar?” Eu saí de lá quase tão nocauteado como o frentista e, pelo jeito, o cliente também.

(*) Advogado , avô recente e morador em S. Bernardo do Campo (SPO). Escreve para o site O Dia Nosso De Cada Dia - http: blcon.wordpress.com


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