Luiz Caversan (*)
O triste e lamentável episódio da manifestação de ódio contra nordestinos ocorrido recentemente na internet também tem, como tudo na vida, um lado bom.
Como se sabe, uma estudante de direito (!) resolveu destilar sua indignação com o resultado das eleições, conclamando, via Twitter, que se matassem nordestinos, responsáveis, segundo ela, pela eleição da nova presidente.
Não ficou sozinha na sua sanha assassina: seu texto foi reproduzido à larga na rede social, tendo sido identificados até agora mais de mil apoiadores da infeliz ideia.
O que demonstra um fato até então inquestionável: não só escreve-se o que se quer e posta-se o que bem aprouver no Twitter, Facebbok, Orkut etc., como as bobagens divulgadas podem ganhar o mundo, receber apoios, criar posturas, procedimentos, tornar-se verdades definitivas.
Para muitos, este é o grande perigo da internet frente aos meios tradicionais de comunicação, ou seja, a informação, qualquer informação, trafega sem nenhum "controle de qualidade", digamos assim, podendo alcançar repercussão desproporcional à sua importância e pertinência. Tipo: qualquer porcaria que se escreve acaba tendo receptividade, muitas vezes causando danos (a alguém ou apenas à verdade) e fica por isso mesmo.
Não é bem assim, felizmente.
O episódio dessa pobre moça (que além de ignorante e aparentemente de má índole, é certamente burra) demonstrou para quem não sabe ou não acredita nisso que a internet e suas conexões são absolutamente orgânicas, movimentam-se e reagem de acordo com os estímulos que recebe, para o mal e para o bem.
Se por um lado o post da moça (Mayara Petruso é seu nome) foi replicado milhares de vezes, rapidamente formou-se uma corrente sanitária em torno do nordeste e de nossos irmãos oriundos daquela região. A ponto de dezenas de milhares de posts exaltando as coisas boas da região e de seus filhos estarem agora mesmo circulando na rede, bem como ter sido criado no Facebook a comunidade "Dia do Nordeste", na qual as pessoas estão, neste fim de semana, se expressando contra a xenofobia e a ignorância e a favor do povo nordestino - como se precisasse...
Além disso, houve também a reação esperada e normal da sociedade, que foi a abertura de processos de investigação criminal contra a cidadão (estudante de direito, repito...) que perpetrou a barbaridade.
Este é o lado bom que destaquei no início do texto: ao contrário do que muitos apregoam, a internet e as redes sociais não são uma terra de ninguém em que os beócios e pusilânimes podem circular impunemente.
Não, há inteligência intrínseca no próprio mecanismo participativo que permite o surgimento dessas pessoas para execrá-las, intimidá-las, expulsá-las do convívio social que ali existe.
E a exposição que essa reação provoca acaba tendo, como teve, o efeito de estimular a movimentação de outros mecanismos da sociedade (entidades representativas como a OAB e autoridades como polícia e Ministério Público, que estão acionando a moça) para que coloquem em prática os instrumentos legais para coibir delitos desta natureza.
Ou seja, a internet, seja qual for o ambiente escolhido, é uma tribuna livre em que se diz o que se quer, sim. Mas com o risco de se ouvir o que não se quer, levar bordoadas, receber manifestações, ser processado etc. etc...
Menos mal.
(*) Jornalista, produtor cultural e consultor na área de comunicação corporativa da Folha de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário