Renato Gomes Nery (*)
A postura rígida que vinha adotando o Tribunal Regional Eleitoral, após o afastamento judicial de dois de seus membros, parece que foi esquecida, a partir da semana passada. E ela deu-se com o julgamento de diversos pedidos de registro de candidaturas controvertidas para as eleições de outubro/2010, na aplicação da Lei Complementar n. 135/2010, denominada de lei da “Ficha Limpa”.
É preciso deixar claro que a referida lei é de iniciativa popular – de legitimidade induvidosa – onde existe a certeza de que a população não quer que candidatos de posturas e passados duvidosos concorram as eleições. E esta intenção é manifestada de forma clara e precisa quando preceitua que candidatos julgados por órgãos judiciais, nas hipóteses que prevê, não podem e nem devem ser candidatos. A decisão não precisa transitar em julgado para produzir o seus efeitos. E, para tanto, não estabelece, nestes casos, exceção, a não ser que a decisão proferida seja suspensa por concessão de liminar proferida pelo Plenário do TSE. Insistimos não é qualquer liminar, mas liminar concedida pelo Plenário do TSE. E o julgador não pode excepcionar onde a lei não excepciona. Este comando legal é imperativo, cogente e obrigatório.
Num dos processos envolvendo um famoso parlamentar por fatos cometidos em sua eleição, há quase 04 anos, a Justiça Eleitoral concedeu o seu registro de candidatura porque ele teria protocolado o seu pedido antes de sua cassação. É curioso que cassou o seu mandado e deferiu o registro de sua candidatura para o mesmo cargo. Como se a Justiça antes do julgamento de um caso não fosse obrigada a conhecer de fatos supervenientes a propositura da ação e antes do seu julgamento, principalmente quando os fatos são púbicos e notórios. Cassou-se o parlamentar e lhe deu o passaporte para concorrer ao mesmo cargo perdido, ao arrepio, data vênia, do bom senso e da Lei da “Ficha Limpa”.
Esta constatação leva a acreditar que a Justiça está sucumbindo as suas próprias contradições, confirmando que ela pode ser tarda, falha, injusta e está de costas para a sociedade. Pegando uma corona nas próprias contradições é de se indagar: a decisão referida foi após o candidato ter protocolado o seu pedido de registro, por que o seu processo instaurado há quase um lustro não foi julgado antes? Não seria a Justiça contribuindo decisivamente com a impunidade?
Está difícil explicar, também, por que dois candidatos condenados em conjunto pelo mesmo fato nas eleições passadas - seguros curiosamente ate hoje por uma inadequada e infinda liminar - um teve a candidatura deferida e outro não. Poderia se explicar que um deles se tornou inelegível por decisão unânime do TRE-MT e o outro não, mas isto não seria suficiente, pois a sua inelegibilidade ocorreu após ter ele entrado com o seu pedido de registro, e neste caso ele também teria que ter o seu registro deferido, a exemplo do caso inicialmente relatado para ser coerente com a incoerência.
]A impotência da sociedade foi suplantada com penosa luta para a aprovação da Lei da “Ficha Limpa” junto ao Poder Legislativo. Resta a ela entretanto, encontrar um caminho para superar esta mesma impotência perante o Poder Judiciário. Que não percamos a esperança.
(*)Advogado em Cuiabá e ex-presidente da OAB-MT.
E-mail – rgnery@terra.com.br
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