Renato Gomes Nery (*)
A decisão do STF em reintegrar os magistrados mato-grossenses aposentados compulsoriamente pelo CNJ tem causado surpresas e perplexidades, já que as aposentadorias se deram em fevereiro/2010, tendo sido as liminares negadas logo em seguida e foram reapreciados meses depois e concedidas, sem que tenha conhecimento de qualquer fato novo que fizesse o ilustre Relator mudar de opinião. Tratou-se de mudar apenas a tese da não concessão para a uma outra que deu sustentáculo a que ela fosse deferida.
A última tese que deu respaldo a liminar está fundada na supressão de instância, pois se entendeu que o CNJ não poderia conhecer diretamente da Reclamação, uma vez que o processo teria que esgotar a instância administrativa no TJMT. Cabe, entretanto, uma ressalva em sentido contrário. É que o TJMT não tem competência para julgar desembargadores e o envolvimento destes no mesmo fato que era comum a juízes, ao menos em tese, desloca a instância de processamento e julgamento para outro órgão de jurisdição superior.
Além do mais, das decisões de instâncias administrativas não existem recursos, a não ser para o mesmo órgão. E o CNJ não é instância recursal, pode ser no máximo provocado para o controle administrativo de decisões administrativas. Portanto, não vinga tese da supressão de instâncias administrativas, já que elas não existem. Elas somente se verificam nas instâncias para a Justiça Comum ou Especializada. E a competência originária e concorrente do CNJ está plasmada no inciso III, § 4º do artigo 103-B da Constituição Federal que outorga ao CNJ a competência para receber e conhecer das reclamações contra membros e órgãos do Poder Judiciário, o que convalida a sua competência constitucional concorrente com outros órgãos do Poder Judiciário. Parece temerário que nestas circunstâncias possa-se conceder uma liminar anteriormente negada. Até por que para a concessão de liminar em mandado de segurança é preciso que haja fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar na ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida.
Foi no referido dispositivo legal (artigo 103-B, § 4º, III - CF) em que se respaldou para que as liminares iniciais fossem negadas, até que veio a lume a concessão de liminar em questão, estendida a todos os magistrados implicados, sob o pálio de antes de eles serem processados e julgados pelo CNJ, era preciso que se esgotassem as instâncias administrativas originárias de todos os envolvidos.
E parece que não está em jogo nesta questão o caso específico do TJMT, mas uma questão de competência do CNJ, pois a vingar a tese esposada pelo Ministro que concedeu a aludida liminar, estar-se-á manietando o CNJ e tornando-o um órgão inócuo e anulando, por conseqüência, inúmeras decisões já proferidas por ele, inclusive a de outras punições recentes a magistrados. Daí a reação fortíssima do CNJ contra a aludida decisão.
Nesta esteira vêm duas outras questões: a primeira é por que um Ministro vem a negar liminar(s) e muito tempo depois resolver concedê-la. O que está, por hipótese, por trás desta decisão? Alguma força muito poderosa ou um acerto pré-estabelecido pelo STF para, em suscitando tardiamente a questão, venha, em seguida formar um juízo definitivo sobre ela. Na segunda hipótese, o CNJ correria o risco de desaparecer do cenário jurídico, em que pese a sua firme atuação em prol da organização e moralização do Poder Judiciário como um todo.
Mas tudo isto são hipóteses que certamente serão dirimidas pelo julgamento do recurso do CNJ contra a aludida decisão. E esperamos que o STF tenha a visão e o discernimento de tomar a melhor decisão para o bem da sociedade e do Brasil. Como se vê o caso do TJMT é muito pequeno para uma questão de tal envergadura. E não custa lembrar que ao Poder Judiciário cabe a função de interpretar e aplicar a lei, não pertine a ele legislar. E que a função de legislador do Poder Legislativo tem que ser preservada para o bem da República e da Democracia.
O CNJ é um órgão de aspiração e iniciativa popular, conseguido a duras penas pela sociedade para ter um Poder Judiciário a sua altura e que tem conseguindo, na sua pequena existência, feitos notáveis na melhoria para a credibilidade e moralização do Poder Judiciário Brasileiro, em prol da cidadania. Não preservá-lo da forma em que foi criado, a não ser para aperfeiçoá-lo, seria um duro golpe na cidadania e, sobretudo, na democracia. Não custa lembrar que a volta para outra margem do Rubicão é um caminho penoso e prova disto é que essa travessia custou dezenas de séculos e ainda claudica em metade do mundo civilizado.
(*) Renato Gomes Nery – é advogado em Cuiabá e ex-presidente da OAB/MT.
– E-mail – rgnery@terra.com.br
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