domingo, 15 de agosto de 2010

Mano para Presidente

Ruth de Aquino (*)

Agora que o Brasil se livrou de Dunga e recuperamos o futebol arte, não custa sonhar com a arte da política sem tédio e fora da retranca. O que vimos nos 12 minutos de Jornal Nacional ? Uma mãe dos pobres que aprendeu a mentir, ignorar fatos históricos e até a se equivocar com desenvoltura, sem gaguejar. Um emotivo e tépido oposicionista paulista, que cita mais números e porcentagens que qualquer matemático. Uma candidata de Deus que se apresenta como a primeira mulher negra e pobre a disputar a Presidência. Todos na garupa do social.

A continuar assim, vamos chegar ao fim do segundo tempo com a convicção de que a política é o ópio do povo. E não o futebol ou a religião. Ao fim de um debate sonolento na Band na semana anterior, só os candidatos e a emissora saíram satisfeitos, ninguém mais. A decisão da Libertadores ganhou de lavada na disputa de audiência. O “alto nível” do debate, elogiado pelo presidente Lula, queria dizer o seguinte: ninguém foi contundente, e sua candidata não foi o desastre que muitos esperavam. Serra até levantou a bola para Dilma, numa pergunta que permitiu à petista completar seu raciocínio. E ela agradeceu ao tucano.

Por sua performance até agora, os candidatos Dilma, Serra e Marina teriam vaga certa na Seleção derrotada na África, sob o comando do zangado Dunga, que só se permitia uma gracinha no figurino. O mandamento-mor seguido pelos atletas era: nenhum podia brilhar muito. Jogadores só podiam dar entrevista para exaltar o conjunto, a equipe. Ninguém podia fazer um drible desconcertante, surpreender com um elástico, desmoralizar com um lençol – simplesmente pela alegria de provocar o adversário. Rebolation na comemoração, então, nem pensar. A coreografia mais ensaiada na Seleção sem personalidade de Dunga eram as mãos erguidas aos céus. Até Robinho ficou irreconhecível, como se estivesse numa camisa de força. Rezou, não rebolou.
Se a campanha continuar assim, vamos achar que a política é o ópio do povo – e não o futebol ou a religião

Nossos candidatos à Presidência estão todos assim. Aprisionados pelo pragmatismo, pela marquetagem compressora e pela numeralha entediante, emitem opiniões sem partir para o ataque. Parecem jogar sempre pelo empate. Onde andam o raciocínio rápido, a criatividade, a eloquência, as propostas originais que podem conquistar a torcida? O contorcionismo, ao vivo, para negar suas próprias convicções em busca de votos dificulta a vida do eleitor inteligente. O eleitor fanático, contra ou a favor, não tem problema nesta eleição. Já decidiu. Nem precisa ver seu candidato ou sua candidata entrar em campo. O único personagem irreverente é o inviável Plínio de Arruda, do PSOL, o candidato octogenário das causas impossíveis.

Quem convenceu até agora o país foram os garotos Neymar, Ganso e Pato na estreia vitoriosa da nova Seleção de Mano Menezes contra os Estados Unidos. Vimos um gol inesperado, partindo de uma cabeça moicana. Nem Neymar acreditou: “Saiu a ansiedade da estreia. Agora estou mais tranquilo”. Ainda não é hora de ir para o Chelsea e enfrentar o inverno e o humor ingleses. Na entrevista após a vitória, Ganso disse: “Mano deu toda a liberdade para a gente jogar nosso futebol alegre”. E, sem falsa modéstia: “Pude mostrar todo o meu talento em campo”. Mano, não deixe que esses meninos se tornem mártires como Kaká, que admitiu ter jogado no sacrifício, “infiltrado” (com injeções no pé e no joelho), para ajudar a Seleção. Estimule o talento, não o fervor.

Não se está advogando aqui que Serra dê um carrinho, que Marina faça jogo perigoso ou que Dilma tente um gol de mão. Campanhas sem golpes baixos são uma homenagem ao jogo democrático, embora o presidente Lula já tenha sido multado tantas vezes por violar o regulamento eleitoral que, se houvesse cartão vermelho por reincidência, ou se nossos juízes tivessem peito, ele já teria sido expulso da margem do campo. Sem ser candidato, é o único com carisma – e, por isso, ventríloquo de Dilma.

Se os debates eleitorais continuarem assim, previsíveis e cheios de PAC, UPA e UPP, só temos uma saída: Mano para presidente.

(*) É chefe da sucursal carioca da revista ÉPOCA

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