Opinião do Estadão
Alguns dos retratos mais impressionantes do descaso e da irresponsabilidade com que a administração federal vem tratando das obras rodoviárias nos últimos 40 anos estão no Norte do País. A situação de abandono de quase todas elas ratifica o brutal desperdício de dinheiro público ao longo de vários governos. Além de não terem sido concluídas, algumas dessas obras são conhecidas também por causa da lista de denúncias sobre desvio de verbas, superfaturamento e outras irregularidades.
Não se sabe com certeza quanto dinheiro do contribuinte elas já engoliram, por causa das muitas paralisações que sofreram. Sabe-se apenas que não foi pouco. Mas, agora, o governo Lula promete que, à custa de mais investimentos bilionários, elas estarão em condições de utilização até 2012. O desastroso histórico desses projetos, mostrado em reportagem do jornal Valor na terça-feira, deixa claro que esta é uma promessa muito difícil de ser cumprida.
Para dificultar ainda mais a conclusão dessas obras, há a questão ambiental: são estradas que, na maior parte de seu traçado, cortam a floresta amazônica, o que dificultará a concessão do indispensável licenciamento ambiental para sua conclusão.
Das quatro estradas principais que o governo quer concluir, a mais antiga é a Cuiabá-Santarém (BR-163), cujas obras começaram no fim da década de 1960. A mais conhecida é a Rodovia Transamazônica (BR-230), lançada em 1972, no governo Médici, para unir João Pessoa, na Paraíba, a Cruzeiro do Sul, no Acre, cruzando o Norte do País. As outras duas, resultantes do desmembramento da Transamazônica, são Rio Branco-Cruzeiro do Sul (BR-364), no Acre, e Porto Velho-Manaus (BR-319).
A BR-319 é um retrato do descaso e das dificuldades que precisam ser superadas para a execução das obras. Inaugurada em 1973, ela foi utilizada até 1984, em condições cada vez mais precárias por falta de manutenção. Hoje está praticamente abandonada. Sua recuperação custará R$ 893 milhões, segundo reportagem do Valor.
Não será preciso cortar nenhuma árvore para a reconstrução da estrada, mas as organizações ligadas ao meio ambiente "transformaram as obras numa verdadeira guerra", disse o diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Luiz Antonio Pagot. Há problemas também quanto à legalidade do contrato, destaca o jornal. O Tribunal de Contas da União (TCU) viu indícios de que a licitação foi feita sem previsão orçamentária e com a possibilidade de pagamento adiantado.
A BR-163, por sua vez, simboliza a descontinuidade dos programas de governo. As obras começaram há mais de 40 anos e ainda faltam 40% para sua conclusão. "Acabamos de conseguir as últimas licenças ambientais e 100% dos prestadores de serviço estão contratados", garantiu o diretor do Dnit. Os investimentos previstos somam R$ 1,4 bilhão até o fim de 2011.
A Transamazônica é o exemplo mais conhecido do abandono dos grandes projetos de desenvolvimento das últimas décadas. Do trecho entre Manaus e João Pessoa, muito pouco foi pavimentado e, por isso, no período das chuvas, de outubro a março, a estrada fica intransitável. O orçamento do Dnit prevê o investimento de R$ 701,3 milhões no trecho da estrada que corta o Pará. No trecho que passará a cerca de 100 km do local onde será construída a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a obra já tem autorização da Fundação Nacional do Índio e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas ainda depende da concordância de algumas organizações indígenas. Só depois disso é que se poderá solicitar a autorização do Ibama.
Já a obra da BR-364, que já consumiu R$ 1 bilhão em investimentos, teve denúncia do Ministério Público Federal do Acre por desvio de verba. A Polícia Federal, por sua vez, tem em andamento sete inquéritos sobre irregularidades nas obras de pavimentação. No TCU, existem 30 acórdãos sobre a obra, nos quais se examinam irregularidades em pagamento de desapropriações e pedidos de auditorias.
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