domingo, 15 de agosto de 2010

Anchovas norueguesas

Luis Fernando Verissimo para O Estado de S.Paulo

-Bem...
- Quié, Luiz Otávio.
- Não estou encontrando a marca de ervilhas que você pediu.
- É uma lata verde, Luiz Otávio. Procure bem que você acha.
- Lata de ervilha, aqui, só tem...Deixa ver. Pode ser esta? Dabeng?
- Dabeng?!
- Petipoá. Só consigo entender isso do que está escrito na lata. Petipoá Dabeng.
- Luiz Otávio, onde você está? Aí é a seção de importados, Luiz Otávio.
- Mas essa Dabeng não é boa?
- É muito boa. E muito cara.
- Não parece tão cara assim...
- Luiz Otávio, essas ervilhas são colhidas uma a uma por virgens no Tibete. São caríssimas. Sai daí, Luís Otávio. Procura as ervilhas na seção de enlatados nacionais.
- Epa! Olha o que tem aqui. Anchovas norueguesas. Lembra, bem?
- Lembro, Luís Otávio. Lembro. Mas sai da seção de importados e compra o que eu pedi.
- Sabe que a latinha de anchovas continua igualzinha à que a gente comprava?
- Que bom. Mas não é mais para o nosso bico.
- Lembra como a gente comia as anchovas com pão, e aquele vinho português que eu descobri?
- Lembro, Luiz Otávio. Mas isso foi no tempo em que a gente podia.
- Sabe de uma coisa? Vou levar as anchovas.
- Não faça isso, Luiz Otávio. E sai da seção de importados imediatamente!
- Só uma latinha. Pelos velhos tempos.
- Eu proíbo você de trazer qualquer coisa da seção de importados desse supermercado, Luiz Otávio.
- Proíbe?
- Proíbo sim senhor, Sou eu que estou pagando por essas compras. Eu que cuido do nosso orçamento. Eu que controlo nossos gastos para evitar supérfluos e extravagâncias.
- Muito bem. Continue, continue. Diga que você é que está pagando porque o dinheiro é seu. Porque eu sou um imprestável. Porque eu estou desempregado. Porque não sou nada que você pensou que eu fosse quando casou comigo, eu com aquela minha pose de grã-fino e de entendido em vinhos. Diga que nós estamos nesta situação por culpa da minha pose. Diga.
- Luiz Otávio...
- Olha, tem gente aqui me olhando enviesado. Parece que nunca viram um homem despejando sua amargura num telefone celular, dentro de um supermerado. E na seção de importados. É isto mesmo, gente. Vocês estão vendo um fracassado numa crise emocional e conjugal. Estas anchovas norueguesas são um símbolo do meu fracasso. Do fracasso de um casamento. Do fracasso de uma vida. Estas aqui, ó.
- Luiz Otávio, traz as anchovas norueguesas.
- O quê?
- Pára de dar vexame e traz essas malditas anchovas norueguesas.
- É só para lembrar os velhos tempos, bem.
- Está bem, está bem.
- Vou comprar o pão para comer com as anchovas. E procurar um vinho adequado. Algo leve, sem muito tanino e com um bom final.
- Está bem, Luiz Otávio. Depois vem pra casa. Pega as ervilhas nacionais e vem pra casa.
- Certo.
- E esta é a última vez que eu peço para você ir ao supermercado.

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