sexta-feira, 29 de julho de 2011

O Estranho Viajante

Uma crônica budista: o elogio da "preguiça"-

Lin Ching Xuan
(Trad*.: Ho Yeh Chia)

Certa vez participei de uma excursão, pelo leste de Taiwan, e havia no grupo um sujeito muito estranho. Ele passava o dia todo dormindo no hotel enquanto os outros saíamos para conhecer as belezas do lugar. Quando ele acordava antes da gente chegar do passeio, ficava sentado no bar, tranqüilamente tomando um café. Às vezes, ele não acordava nem para comer, alegando que queria descansar. Ele não gostava de falar e se alguém tentava puxar papo, ele apenas dava um sorriso e ficava quieto.

Embora tudo em sua conduta fosse silêncio, ninguém conseguia ignorá-lo. Ele era como um mistério e, pelas costas, os companheiros não paravam de comentar sobre seu comportamento.

Às vezes, eu o imitava: sentava-me no bar, em silêncio, sem proferir nenhuma palavra e sorria para ele.

E, assim, ficamos amigos.

Uma vez não resisti e lhe perguntei: "Já que você participa da excursão, por que não passeia conosco?"

"Sou um homem preguiçoso", disse ele, "acho que ficar em pé é melhor do que andar; sentar, melhor do que ficar em pé; deitar, melhor do que sentar e dormir é ainda melhor do que ficar só deitado. Eu participo da excursão porque, assim, não preciso me preocupar com arranjar o que comer, onde morar e outras bobagens dessas...!"

Eu já vi muitas pessoas trabalhadoras que estão sempre ocupadas, dificilmente conheço um preguiçoso. E os preguiçosos geralmente não costumam assumir esse título. Então, começamos a conversar sobre a preguiça.

Para esse viajante estranho, um homem preguiçoso tem dois princípios: primeiro, não faça nada que possa não ser feito. Por exemplo, ele compra sete camisas, uma para cada dia da semana, ao final de uma semana, todas vão estar usadas. Volta a usá-las pela segunda vez na semana seguinte e na terceira semana também. A vantagem é que precisa lavar roupas apenas uma vez a cada três semanas. Sapatos, de preferência, sem cordões, melhor ainda se não for preciso agachar para calçá-los. Comida, se encher o estômago, já está bom. De preferência, em restaurante: preparar em casa dá muito trabalho. Alimentos crus é melhor do que cozidos, procure dispensar requintes na alimentação: pão é mais fácil do que macarrão, que é mais fácil do que arroz (para cozinhar arroz é necessário lavá-lo antes...). Frutas, escolha aquelas que não precisam ser cortadas: banana, tomate, maçã são melhores do que abacaxi ou melancia.

E para fazer compras, não adquira mais do que o estritamente necessário, pois quando a gente começa a ter muitas coisas caras e boas, começa também a querer colecionar e guardar com cuidado. Além disso, surgem as preocupações de manutenção, e complicações que não têm mais fim: não nós possuímos as coisas; elas nos possuem. "O homem gasta muito tempo e muita força para buscar fama, sucesso e satisfazer desejos materiais. Assistindo a tudo isso de longe, o homem parece um grande tolo", disse o estranho viajante.

O segundo princípio de um homem preguiçoso é: não lembre de coisas que possam ser não lembradas. "As pessoas não param de lembrar coisas bobas, preocupam-se com tudo. Eu prefiro sentar-me e olhar nuvens", disse ele. Contou-me também que a maior sabedoria que os antigos monges zen buscavam tem tudo que ver com a preguiça. Há uma poesia que diz:

Na primavera, há cem variadas flores;
No outono, o luar;
No verão, ventos frescos
E, no inverno, neves;
Se não tivermos preocupação
Suspensa no coração,
Estaremos sempre
Nos bons momentos da vida.

Ele recitou ainda outra poesia para mim, esta, da Dinastia Yuang:

Tranqüilamente,
Sem ter nada para discutir,
Apenas um incenso a queimar
E sua fragrância para sentir;
Tenho chá ao acordar
E refeições para a fome,
Vejo a corrente do rio, ao caminhar
E as nuvens do céu, ao sentar.

As duas poesias são antigas: como pode um homem preguiçoso saber recitá-las de cor? Perguntei curioso: "Você diz que não costuma lembrar das coisas e se esforça para decorar poesias?"

"Não fui eu que as lembrei: foram as poesias que quiseram ficar em meu coração", respondeu ele. Depois me disse que a maior dificuldade de ser preguiçoso é que tem que usar muito a cabeça para pensar em como pode ser mais preguiçoso ainda...

 Do original chinês: Y way de lui ke.

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