Opinião do Estadão
Quando para muitos parecia que nossos políticos tinham esgotado o repertório de subterfúgios para abusar da coisa pública em benefício próprio, descobre-se que o dono do PDT em São Paulo, deputado federal Paulinho da Força, candidato a prefeito da capital, mantinha controle sobre a Secretaria de Estado de Emprego e Relações de Trabalho por intermédio de seu filho, Alexandre Pereira da Silva, que, apesar de não ter nenhum vínculo formal com a pasta, ali dispunha de um gabinete completo, a partir do qual, em nome do pai, mandava e desmandava na área de operações. Alexandre é funcionário da Fundação para o Desenvolvimento das Artes e da Comunicação (Fundac), fundação de direito privado, sem fins lucrativos, que só este ano recebeu R$ 3,7 milhões da Secretaria do Trabalho.
Tendo o Estado revelado a maracutaia, o governador Geraldo Alckmin ordenou à Corregedoria-Geral da Administração, vinculada à Casa Civil, a investigação dos fatos. E na tarde da quarta-feira o pivô do imbróglio afastou-se da Secretaria, obedecendo à determinação provinda do Palácio dos Bandeirantes. Mas Alckmin, antecipando-se à rigorosa apuração que ordenara, fez eco às declarações de Paulinho da Força de que não havia no episódio "nenhuma irregularidade".
O secretário de Emprego e Relações de Trabalho chama-se Carlos Ortiz, é sindicalista filiado ao PDT e assumiu o cargo em março último, em decorrência de um acordo político por meio do qual Paulinho garantiu uma força - da legenda de que é dono e certamente também da central sindical da qual é presidente licenciado - à candidatura de Alckmin à reeleição, em 2014. A Coordenadoria de Operações da pasta é oficialmente dirigida por um funcionário de carreira sem filiação partidária, Marcos Wolff.
Mas era Alexandre quem dirigia de fato a unidade, recebendo diretamente os pleitos dos prefeitos e dispondo a seu critério dos recursos destinados à aplicação na área da Coordenadoria, que abrange 243 postos de atendimento a trabalhadores distribuídos por todo o Estado - uma base de operações perfeita... para cabos eleitorais.
Lamentável sob todos os aspectos, este é mais um episódio que evidencia, por um lado, o nível de banalização a que chegou a prática da mais deslavada apropriação privada dos bens e recursos públicos por parte de políticos e, por outro, que cada vez mais as principais legendas partidárias se revelam farinha do mesmo saco.
Há quase duas décadas governando o Estado de São Paulo, o PSDB age e deixa seus aliados agirem em seus domínios com a mesma falta de cerimônia com que seu figadal adversário, o PT, atropela a lei e os mais elementares princípios éticos para impor no plano federal seu desígnio de perpetuação no poder.
Da maneira como as coisas estão dispostas na política brasileira, os tucanos têm a pretensão de se apresentar como os principais opositores do lulopetismo. Mas o comportamento do PSDB, seja em seu principal reduto, o território paulista, seja em outras paragens como o Estado de Goiás - como a CPI do Cachoeira tem demonstrado -, revela que não existe muita diferença no modo como uns e outros manejam, na prática, o cotidiano da administração pública. O mesmo tipo de alianças de conveniência com que o PT procura garantir a "governabilidade" no plano federal se reproduz - guardadas as peculiaridades do jogo político no âmbito regional ou local - nos domínios tucanos.
A vala comum em que os políticos parecem atolados evoca o aparente conflito apontado na política, pela teoria weberiana, entre a ética das convicções, fundada em princípios, e a ética da responsabilidade, que procura compatibilizar princípios com genuína governabilidade. Escreveu um ilustre tucano, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em recente livro sobre A arte da política: "Se é certo que o político, para Weber, deve ser julgado pelas consequências de seus atos, isto não significa que a ação do político dispense convicções".
Não tem sido tarefa fácil, porém, identificar na ação dos políticos brasileiros convicções que não sejam a de que na política vale tudo.
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