terça-feira, 17 de julho de 2012

Investimentos privados em rodovias

Moacyr Servilha Duarte (*) 

Já no final dos anos 1970 o economista Ignácio Rangel, criador da Eletrobrás e insuspeito de ser neoliberal, defendia a ideia de que a continuidade do progresso do País passava pela concessão de serviços públicos a empresas privadas. Para ele, estas tinham maiores possibilidades de levantar os recursos necessários que o poder público. E a utilização do contrato de concessão era uma forma de alavancar os financiamentos com dupla garantia, da concessionária e do poder público. Além disso, segundo Rangel, a concessão permitiria a cobrança da qualidade de serviços pelo concedente e pelos usuários, o que é difícil no caso dos governos, particularmente quando esses serviços são prestados por órgãos sediados a milhares de quilômetros. 

A essas vantagens se soma a agilidade maior das empresas privadas em tomar decisões, adotar novas tecnologias, fazer investimentos de forma regular, regida pelos contratos, e, em especial, agir rapidamente nas situações emergenciais. Basta ver, no primeiro caso, que os avanços em sistemas inteligentes de transporte, como centros de controle operacional, só existem nas rodovias brasileiras sob gestão privada, e comparar a velocidade com que são reparados viadutos, pontes e outras obras prejudicadas por acidentes, intempéries ou pelo desgaste com o tempo. 

As lições de Ignácio Rangel parecem finalmente ter sido absorvidas. O governo federal anunciou a preparação de um amplo plano de novas concessões nos setores de energia e transportes. As declarações da ministra do Planejamento ao apresentar a proposta consideraram as rodovias como coadjuvantes no processo, influenciada, talvez, pelo chamado "mito do rodoviarismo brasileiro". Mercadorias e pessoas são transportadas basicamente por estradas e o Brasil tem, proporcionalmente ao território, a menor rede rodoviária entre as 20 maiores economias do mundo, da qual boa parte está em mau estado. Assim, é preciso iniciar logo a ampliação e a melhoria do que existe, o que certamente não será feito em curto prazo pelo Dnit, apesar de seus esforços, como reconhecem seus dirigentes. 


O estudo Projetos Prioritários de Duplicação de Rodovias, preparado pela Confederação Nacional do Transporte, relaciona 27 trechos (9.926 km) que podem ser repassados à iniciativa privada para serem duplicados, melhorados e mantidos com cobrança de tarifas. O investimento previsto é de R$ 48 bilhões, acrescidos de R$ 17 bilhões necessários à manutenção, para o que se usariam as várias modalidades de Parcerias Público-Privadas. Boa parte desses trechos certamente está incluída no trabalho feito pelo Ministério dos Transportes de estruturação da quarta etapa do Programa de Concessão de Rodovias Federais, cuja efetiva implementação depende de estudos de viabilidade de boa qualidade e de regras licitatórias compatíveis com a natureza e a complexidade dos empreendimentos. Registre-se que, das três concessões da terceira etapa, duas ainda dependem da revisão dos estudos de viabilidade. 

Além desses, há investimentos de interesse público que já poderiam ter sido iniciados pelas atuais concessionárias, eliminando gargalos que aumentam o custo Brasil, reduzem a competitividade regional, trazem insegurança e desconforto aos usuários, mas têm sido brecados por preconceitos ideológicos ou razões eleitorais. É o caso, por exemplo, da nova ponte sobre a Lagoa do Guaíba (RS), da duplicação da Serra das Araras, da nova subida da serra em Petrópolis e da ligação da Ponte Rio-Niterói com a Linha Vermelha (RJ), que as concessionárias se propuseram a realizar, sendo compensadas pela aplicação da metodologia denominada "fluxo de caixa marginal", definida em resolução da ANTT aprovada pelo TCU. 

No caso da nova ponte do Guaíba, estudos indicam que o prejuízo atual para o Rio Grande do Sul é superior a R$ 1,7 bilhão/ano, pelas perdas decorrentes da demora na travessia da atual, construída nos anos 1950, cujo vão móvel precisa ser levantado para a passagem de embarcações. Com esse impacto, que cresce ano a ano, a construção da nova ponte, que já poderia estar com as fundações avançadas se tivesse sido aceita a proposta da concessionária, teria retorno econômico para o Estado, e para o País, em menos de 12 meses. Recentemente foi noticiada a escolha da empresa que deverá desenvolver o projeto dessa ponte, cujo prazo para elaboração é de 540 dias. Após sua elaboração e aprovação, deverá ser realizada a licitação para executar a obra. Com isso seu início poderia ocorrer em 2014, com término apenas em 2017, se não houver surpresas. Pelos estudos econômicos mencionados, o atraso em relação à realização pela concessionária vai representar um prejuízo superior a R$ 5 bilhões para a economia gaúcha. 

Os governos dos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo já se utilizaram da metodologia do "fluxo de caixa marginal" para possibilitar investimentos não previstos nos contratos de concessão, respectivamente, na Rodovia dos Lagos e na ligação São Paulo-Baixada Santista. Enquanto isso, o governo federal mantém a indefinição quanto aos investimentos adicionais necessários nas rodovias concedidas, que alguns de seus componentes e apoiadores sonham ver ser feitos pelo Dnit em algum tempo indeterminado do futuro. 

A competitividade do País e o aumento de sua produtividade exigem, além dos investimentos em outros modais, melhores rodovias e a expansão da atual malha, para acompanhar o extraordinário aumento da frota e o crescimento econômico dos últimos anos, o que a iniciativa privada está apta e pronta a fazer, desde que se propiciem condições adequadas. Hoje mais de 60 países utilizam a concessão e o pedágio para tornar viável o crescimento de seu sistema rodoviário, que não mais pode ser feito com recursos tributários, escassos diante das demandas sociais. 

Talvez essa atitude de deixar para depois obras que poderiam ser feitas agora e atrairiam novos investimentos privados resulte da falta de sensibilização quanto às dificuldades e à insegurança dos usuários, que estão longe do centro do poder. Mas o retardamento pode tornar-se um verdadeiro tiro no pé, com prejuízo para toda a sociedade brasileira. 

(*) Presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR)

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