Ruy Castro (*)
Nos aviões é assim. O jovem de mochila às costas avança pelo corredor, indiferente às pessoas que já se sentaram e estão desgraçadamente no trajeto de seu apêndice. O jovem não se altera. A mochila vai abrindo caminho, colidindo com rostos, penteados, óculos. Depois de muitos voos, alguns passageiros ficam craques na arte da esquiva ou da encolha.
Há algo de especial no portador de uma mochila. Talvez o fato de ocupar mais espaço do que os não portadores de mochila o faça sentir-se com certos direitos, entre os quais o de não pedir licença para passar ou desculpas por um ocasional esbarrão. O portador de mochila é também um ardente adversário da lei segundo a qual dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço. Para ele, uma mochila pode e deve ocupar espaços previamente ocupados.
Talvez eu esteja sendo rigoroso com os portadores de mochilas. Quem sabe a desenvoltura das mochilas seja coisa delas, como se tivessem vontade própria ou se regulassem por leis que só elas conhecem?
E será coincidência que, sempre de lona, as mochilas têm uma notável tendência à morrinha? Tudo bem, esta pode ser apenas uma idiossincrasia do cronista. Mas, pelo que me dizem, o conteúdo natural das mochilas são gorros ensebados, agasalhos que não costumam ser lavados, tênis com extensa quilometragem, tudo enfiado à força, e outros itens que não requerem manutenção e vão direto para o lixo depois de muito uso, inclusive a própria mochila.
Note bem, longe de mim negar a praticidade das mochilas. Elas são portáteis, esportivas e passam de passagem, sem problema, pelo check-in no balcão do aeroporto. O mesmo não acontece com as malas caretas, grandes e duras, que não podemos levar para o avião. E que, pensando bem, não teriam lugar no espaço reservado à bagagem, já atulhado de mochilas.
(*) Escritor e Jornalista
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