quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Parem com isso!

Eliane Cantanhêde (*)

Assim como a violência está endurecendo os corações brasileiros, o câncer do ex-presidente Lula reacende um radicalismo insano, agressivo e burro, como, aliás, todo radicalismo.

Cansados da violência urbana, das balas perdidas, da corrupção policial, os brasileiros estão cada vez mais a favor da pena de morte, da prisão perpétua e da redução da maioridade penal. É incrível, mas 87% (pesquisa CNI-Ibope) são a favor de botar a meninada (negra e pobre, claro) de 16 anos nas cadeias, para tentar compensar crimes hediondos de um ou outro.

Agora, o anúncio de que Lula tem câncer de laringe reavivou num estalar de dedos as reações insanas do final do seu governo e sobretudo da campanha eleitoral de 2010 que deu vitória a Dilma. Novamente, essas reações são principalmente pela internet, uma espécie de selva sem lei em que, entre outras coisas, covardes se escondem atrás do anonimato para passarem por leões e onças ameaçadores.

De um lado, o exército lulista querendo santificar Lula, como se ele não tivesse cometido erros, como se críticas não fossem legítimas e saudáveis e como se 80% de popularidade não bastassem.

De outro, as milícias anti-lulistas enlouqueceram de vez, perderam a decência, a humanidade, a civilidade. Confesso que parei de ler já no início, porque boa coisa não ia dar. Como não deu. A maioria é lixo.

Lula não é santo nem demônio. Tem uma biografia pujante, carisma, inteligência, o dom da comunicação. Seu governo teve méritos e erros. Não adianta querer esconder nem que o Brasil incluiu milhões de pessoas e ele se tornou um líder de envergadura internacional, nem que ele demonstrou excesso de vaidade e vestiu uma armadura para proteger corruptos conhecidos - muitos investigados pela própria Polícia Federal que ele chefiava.

Mas o que importa, neste momento, é o homem Lula, que teve uma notícia assustadora, passa por um tratamento altamente doloroso e está numa fase de incertezas e, evidentemente, de medos.

Política é política, pessoas são pessoas. Não se pode contaminar com a política uma questão pessoal, de saúde, que exige respeito e solidariedade, no mínimo silêncio. Nem para aproveitar o câncer para reforçar o mito, nem para descarregar discordâncias e idiossincrasias.

A Lula, voto de melhoras e de muitos e muitos anos de vida.

(*) Jornalista é colunista da Folha de São Paulo desde 1997

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