Rui Daher (*)
O título pode sugerir tema ultrapassado. O mesmo que em política se diz de rótulos fartamente usados, como direita e esquerda, embora até aqui ninguém tenha encontrado melhores definições.
Como falar-se em soberania nacional num mundo globalizado e tempos em que parece irrelevante conquistar o poder político, se completamente subordinado à lógica de poder do grande capital?
Afinal, não sem razão, no momento discutem-se fórmulas que impeçam a especulação financeira interferir no aumento dos preços de alimentos mais do que a boa e velha relação oferta e procura.
Nem tão recentes os sinais de reordenação das potências econômicas. Seria surpresa encontrar analistas ainda se perguntando se nas últimas crises os países emergentes se descolaram dos demais.
O certo é que enquanto a Europa se esfacela, os EUA discutem o que é melhor para gerar empregos - consumo ou equilíbrio fiscal - e o Japão cresce o pouco necessário para manter tecnologia, indústria e infraestrutura construídas após a II Guerra Mundial, a convergência está na disputa de um comércio exterior movido pelos mercados internos dos países emergentes.
Parece ser o que restou. Daí não surpreender o número de contenciosos na Organização Mundial do Comércio, indício do maior protecionismo já em vigor e, pior, o recrudescimento de antigas formas imperialistas de conquista de territórios, agora em nova embalagem.
Atenção, pois, solertes confederados da agropecuária nacional: não é apenas a produção futura de alimentos, fibras e energia que está no periscópio dos interesses econômicos mundiais. Terra, clima, água, equilíbrio ambiental e biodiversidade serão os principais motivos de disputa em futuro não muito distante.
Os atuais eventos econômicos, políticos e sociais em várias regiões do planeta ainda impedem que se fale em desglobalização. Seria não entender o mecanismo de um processo secular de mudanças, datado nas décadas 1970 e 80 de forma errada. Na época, o que houve foi a sua aceleração trazida por novas tecnologias de comunicação.
Muito menos em contar com a autodestruição do capitalismo. Seria desconhecer um sistema econômico que avança em meio a ciclos e permanentes contradições.
Já as significativas compras de terras por estrangeiros, sobretudo chineses, no Brasil, na Argentina e na África, no entanto, são claras ameaças às soberanias dessas regiões.
Por suas limitações territoriais e climáticas, consumo crescente, em menos de dez anos, a China precisará ser o maior importador mundial de produtos agropecuários.
Hoje, no Brasil, há 4,3 milhões de hectares de terras registradas por estrangeiros. O INCRA estima um número três vezes maior.
O governo brasileiro considera insuficiente o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), de 2010, que limita em 50 módulos fiscais conforme a região (máximo de 5.000 hectares) a compra de terras por empresas brasileiras controladas por capital estrangeira e, também, desequilibrada a subcomissão da Câmara que ora o aprecia.
Por uma simples razão: segundo a "Folha de São Paulo" (19/11/2011), dos 16 integrantes da subcomissão, 15 pertencem à Frente Parlamentar Agropecuária e receberam 25% das doações feitas aos mais de 500 congressistas eleitos, sobretudo de empresas do agronegócio e da indústria da celulose.
Lembremo-nos: quando se compra terras num país, de brindes vêm clima, água, recursos naturais, fauna, flora e presunção ou certeza de facilidades regulatórias.
Como grande parte das compras chinesas está sendo feita através de seu fundo soberano, que tal cuidar de não deixar nossa soberania ir para outro fundo? O do poço.
(*) Administrador de empresas, Consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola.
Nenhum comentário:
Postar um comentário