Klaus Schwab, (*) para O Estado de São Paulo
As críticas ao capitalismo aumentaram muito nos últimos meses. Movimentos de protesto, como o "Occupy Wall Street", expressam indignação com os excessos dos banqueiros, que, segundo os manifestantes, são os principais culpados pela atual crise econômica - mas, aparentemente, não estão sendo responsabilizados.
Crescente número de vozes, de várias esferas da sociedade, está demonstrando a sua solidariedade às atividades contra o capitalismo, um reflexo da frustração generalizada dos cidadãos. E por boas razões: porque até agora foi o contribuinte - o cidadão médio - que teve de pagar pela crise econômica e pelas dívidas nos Estados Unidos e na Europa. Aumento do desemprego, mais impostos e cortes nos sistemas de bem-estar e de saúde nos trouxeram à beira de uma crise social.
Sem dúvida, esses protestos contra o capitalismo conseguiram captar a essência dos nossos tempos. Mas não basta simplesmente condená-lo por seus inegáveis excessos. Precisamos fazer uma análise mais profunda do sistema capitalista e por que, em sua atual forma, ele não se encaixa mais no mundo ao nosso redor.
Quando a crise começou, em janeiro de 2009, durante minha palestra de abertura em Davos, eu disse: "Hoje, as pessoas ao redor do mundo estão me perguntando como foi possível tomar decisões - baseadas em ganância ou incompetência e sem nenhuma fiscalização efetiva - que tiveram consequências terríveis, não somente para a economia global, mas também para pessoas reais, que perderam suas aposentadorias, suas casas e seus empregos. Essas pessoas estão desnorteadas, confusas e com medo e raiva".
Naquela época, o mundo esperava que a crise fosse produzir uma reavaliação básica do comportamento de executivos de alto escalão no mundo dos negócios, em especial no setor de serviços financeiros. Depois de praticamente três anos, ainda não aprendemos com os erros do passado. O sistema que nos levou até essa crise é obsoleto, e não é de hoje. A crise não será superada no longo prazo se continuarmos renegando a necessidade de revisar o sistema. O capitalismo precisa ser reformulado, por três motivos:
O capitalismo é desequilibrado. O uso do capital virtual para especular aumentou muito e de maneira desproporcional comparado com o capital real, e está fora de controle. Precisamos de transações financeiras para equilibrar os riscos, mas não transações especulando sobre a própria especulação.
O sistema original capitalista apresentava uma divisão clara: entre o empreendedor, que suportava o risco do investimento, cuja recompensa é o lucro; e o executivo, cuja tarefa profissional é garantir o futuro da empresa no longo prazo e proteger os interesses de todas as partes interessadas. Com um sistema de bônus excessivo, o executivo alia-se aos interesses dos proprietários do capital, desvirtuando o sistema. Este é o problema fundamental da situação hoje: os salários excessivos corroeram a ética empresarial dos executivos.
O capital deixou de ser um fator decisivo para a produção, na atual economia global. Ideias inovadoras ou serviços intangíveis estão ocupando o espaço das vantagens competitivas, reduzindo a importância do capital. Além disso, com padrões de vida em ascensão, o foco geral está mudando de quantidade para qualidade. O sucesso econômico, no futuro, não será mais decidido pelo capital, mas pelo "talento" como fator de produção. Então, nesse sentido, estamos migrando do capitalismo para o "talentismo".
As demonstrações que estão ocorrendo ao redor do mundo são perigosas quando usadas como meio de iniciar uma guerra entre as classes sociais. Precisamos de novos impulsos que nos levem a reavaliar a situação e implementar as ações corretivas necessárias para remediar o sistema. Devemos converter o capitalismo de volta a uma economia de mercado social. Como o passado demonstrou claramente, outros sistemas econômicos, como o socialismo doutrinário, não oferecem alternativas viáveis. Ponto-chave de uma tal reforma precisa ser a redução dos excessos de produtos financeiros e da participação de executivos nos lucros.
Acima de tudo, o trabalho do executivo deve voltar a ser um posto profissional. Algumas empresas justificam o pagamento de salários e prêmios estratosféricos pelo fato de o talento ser frequentemente o principal fator de sucesso. Porém o talento não é importante apenas na profissão do executivo, mas em qualquer emprego.
Por que um professor excelente deveria ganhar menos que um executivo? Por que um cirurgião reconhecido mundialmente deveria ganhar menos que o CEO de uma empresa global?
Num mundo ideal, todos devem ganhar de acordo com sua responsabilidade e seu desempenho. A maior motivação profissional deve ser a vocação - não somente o desejo de lucrar. Medidas para diferenciar executivos de pessoas que correm riscos também devem reprimir transações financeiras em que os lucros beneficiem apenas os indivíduos envolvidos, enquanto os riscos são coletivos e o contribuinte acaba pagando a conta quando tudo der errado.
Outro princípio orientador importante na reforma do nosso sistema econômico é o conceito de partes interessadas, que defini pela primeira vez há mais de 40 anos. O conceito de partes interessadas assume que a empresa é uma comunidade social de muitas partes diferentes - ou seja, diferentes grupos sociais que estão ligados direta ou indiretamente pela empresa. O objetivo de uma liderança responsável é garantir o sucesso no longo prazo e a viabilidade da companhia e, assim, atender a todos os intervenientes, não somente aos interesses de curto prazo dos acionistas.
Em suma, precisamos avançar do capitalismo excessivo para uma economia de mercado em que a responsabilidade e as obrigações sociais não sejam palavras vazias.
(*) Doutor em Economia, Engenheiro e Administrador Público e fundador presidente executivo do Fórum Econômico Mundial
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