Luiz Caversan (*)
"A depressão é a solidão dentro de nós que se torna manifesta e destrói não apenas a conexão com os outros, mas também a capacidade de estar apaziguadamente apenas consigo mesmo.
"Bastou postar esta semana no Facebook a frase acima para receber dezenas de comentários e mensagens e desabafos sobre o que já foi chamado de mal do século - não sei se deste ou do anterior -, e também criativamente definido pelo jornalista Igor Gielow como a "velha senhora", entidade sinistra que fica bafejando seu hálito gélido e fétido na nuca de suas vítimas.
E quantas vítimas!
A frase supra foi extraída do início do livro "O Demônio do Meio Dia", autoria do jornalista americano Andrew Solomon. Editado pela primeira vez em 2001 (aqui em 2002 pela Objetiva), o volume ganhou o National Book Award e foi finalista do Pulitzer, além de ter recebido mais uma dúzia de láureas importantes mundo afora.
Portanto faz dez anos que foi escrita a obra mais esclarecedora, para o grande público, sobre a depressão. Dez anos, justamente o período em que aprendi a conviver com esta "senhora" tão desprezível. Desprezível mas de jeito nenhum desprezável, porque, volta e meia, eis ela por aí, assim como ocorreu dias atrás.
Mais uma vez, lá se foi a conexão comigo mesmo e com quem quer que seja, pelo menos a conexão aquela que faz a vida, de alguma maneira, valer a pena. Porque, ainda para se referir a Solomon, o sentimento mais comum do deprimido é o da insignificância.
E como que para justificar o codinome, trata-se de um demônio que não ataca somente na calada da noite, como a maioria dos pecados, pesadelos e culpa, expondo-se desavergonhadamente a qualquer hora, inclusive à pela luz do meio dia.
Mas transcorridos dez anos do livro e da convivência, eis que se aprende uma coisa absolutamente básica: é terrível, mas passa -- pois como diria um amigo deprimido e paradoxalmente bem-humorado, "se até uva passa...".
Se nesta sua obra seminal Solomon descreve, perscruta, disseca e analisa em perspectiva a doença e suas nuances, lembrando corretamente que é uma desgraça que veio para ficar, mas pode ser controlada, ele ali já delineia como é possível levar este controle (por meio de medicamentos, terapias, atitudes e autocontroles) a níveis substancialmente razoáveis, com momentos prolongados em que simplesmente se esquece de que, ir embora, mesmo, ela nunca vai de fato.
Recordo já ter definido aqui que o deprimido deve observar a depressão em seus momentos de ausências - que podem ser fugazes ou bem prolongados - como quem vigia uma casa ou um móvel que recebeu tratamento contra cupins: ao primeiro sinal de pó pelos cantos, alerta vermelho, os bichinhos estão de volta!
E não há dúvida que nesta última década aumentou muito a capacidade das pessoas -- portadores, parentes e, sobretudo médicos - de perceber o "pozinho", os sintomas que levam ao diagnóstico correto deste transtorno.
Por conta disso, não surpreende que esteja ocorrendo um aumento estatístico de doenças mentais em geral e, claro, da depressão também.
Veja que na Folha da última sexta-feira estava lá: no primeiro semestre deste ano aumentou em quase 20% o número de concessões de auxilio doença pelo INSS a trabalhadores acometidos de transtornos mentais, liderando a fila o estresse e a depressão (condições que muitas vezes se confundem totalmente). Leia a matéria na íntegra.
O número é simplesmente quatro vezes maior do que o total dos demais motivos de afastamento - acidentes, problemas cardíacos etc.
Como a reportagem de Érica Fraga e Venceslau Filho deixa claro, há duas linhas de raciocínio a explicar isso: para uns, seria apenas mais uma onda de doenças trabalhistas, como se a tendência agora fosse ficar deprimido, por conta de motivos diversos, como as maiores exigências intelectuais do trabalho no mundo moderno. Para outros, como o pesquisador da Universidade de Brasília Wanderley Codo, com quem eu concordo vivamente, o que ocorre é o seguinte: o diagnóstico da depressão tem se tornado cada vez mais preciso.
O que no passado já foi inexplicável ou tratado como "preguiça mental" ou "esgotamento nervoso" ou frescura ou diversas outras coisas difusas, hoje tem não apenas diagnóstico, mas tratamento específico e uma série de outras recomendações que podem resgatar muita gente do limbo em que patinam.
Detalhe: também nunca como antes, hoje é muito mais fácil a pessoa descobrir por meios próprios (amigos, mídia e, sobretudo internet) que tem depressão e buscar tratamento especializado, o que explica de outro modo o aumento dos casos.
Menos mal, e antes tarde do que nunca, este é o lema ideal aos deprimidos e também desta coluna, que frequentemente trata desse problema, difundindo informações que possam esclarecer e ajudar pessoas a viver mais e melhor.
Se for o seu caso e você está descobrindo isso agora, bem vindo ao clube!
(*) Jornalista, produtor cultural e consultor na área de comunicação corporativa da Folha de São Paulo .
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