sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Livro "Ribamar"

Jornal da Tarde/SP

O livro ‘Ribamar’, vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Romance, do carioca José Castello, fala de um filho que procura dar sentido ao pai depois que este morre

O escritor carioca José Castello tinha 23 anos quando mandou um conto para a casa de Clarice Lispector, com seu nome e telefone. Cerca de um mês depois, seu telefone tocou.
“Poderia falar com o José Castello?” “Pois não, é ele.” “Aqui é Clarice Lispector. Li seu conto e só tenho uma coisa a dizer: Você é um homem muito medroso. E com medo, ninguém escreve”. A escritora desligou sem se despedir. “Foi a melhor crítica que recebi”, diz Castello. Hoje, aos 60 anos, o escritor confessa que não se livrou do medo, mas aprendeu a lutar com ele em cada página que escreve. Seu último livro, Ribamar, lançado em 2010, recebeu, no mês passado, o prêmio Jabuti na categoria romance – vale lembrar que a premiação é a mais prestigiosa da literatura brasileira.

Híbrido de ensaio, romance e memória, Ribamar fica na fronteira entre a realidade e a ficção. A história é a de um homem – José – que depois da morte do pai resolve ir até a cidade onde o progenitor nasceu para, de certa forma, reconciliar-se com ele. A narrativa guarda semelhanças com a história do próprio autor, cujo pai (chamado Ribamar) faleceu em 1982. “De fato, um episódio do livro aconteceu. O escritor Rubens Figueiredo, meu amigo, ligou em 2006 e perguntou se eu tinha dado o livro Carta ao Pai, do Franz Kafka, ao meu pai. Rubens encontrou a obra, com a minha dedicatória, num sebo”, conta. Em Ribamar, Castello compara a relação de seu personagem com o progenitor ao relacionamento que Kafka tinha com o próprio pai.

“Uma das minhas irmãs não fala mais comigo por causa do livro”, conta Castello. “Ela entendeu-o como uma biografia mentirosa”, completa ele. E diz mais: “Ficção, para mim, é uma ampliação arbitrária da realidade. E não um retrato fiel dela”. E o que torna a obra especial é o fato de ir contra o senso comum de colocar o protagonista falando apenas bem de um ente que se foi. As memórias, no caso, também mostram a dor, a raiva e a opressão que o personagem sentia da presença paterna (confira trecho no box abaixo).

Nesse sentido, Ribamar lembra O Filho Eterno, em que o escritor Cristóvão Tezza revelou os sentimentos contraditórios de um personagem em relação ao próprio filho. De certa forma, colocar um pai em xeque – ainda que seja na literatura e que o personagem o faça na intenção de encontrá-lo, encontrar a si mesmo e também promover uma reconciliação simbólica – é um ato de coragem do qual Lispector teria gostado. “Demorei quatro anos e meio para elaborar o livro”, diz o autor. “Recorri, inclusive, a vários amigos psicanalistas para ir fundo em certas questões”.

Tal imersão deu à obra dimensões paralelas aos conflitos existenciais e edipianos sobre os quais ela se sustenta. Ao falar do diálogo entre pai e filho, das coisas ditas e das não ditas entre eles e da dificuldade de traduzir com palavras as emoções humanas o autor faz também um belíssimo ensaio sobre a escrita.

Num paradoxo, Castello usa a própria escrita para transmitir a ideia de que essa linguagem pode estar aquém do que se quer contar. Mas da cabeça de um escritor, só se tem aquilo que ele escreve. E o que não falta é densidade às palavras em Ribamar.

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