O livro ‘Ribamar’, vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Romance, do carioca José Castello, fala de um filho que procura dar sentido ao pai depois que este morre

Híbrido de ensaio, romance e memória, Ribamar fica na fronteira entre a realidade e a ficção. A história é a de um homem – José – que depois da morte do pai resolve ir até a cidade onde o progenitor nasceu para, de certa forma, reconciliar-se com ele. A narrativa guarda semelhanças com a história do próprio autor, cujo pai (chamado Ribamar) faleceu em 1982. “De fato, um episódio do livro aconteceu. O escritor Rubens Figueiredo, meu amigo, ligou em 2006 e perguntou se eu tinha dado o livro Carta ao Pai, do Franz Kafka, ao meu pai. Rubens encontrou a obra, com a minha dedicatória, num sebo”, conta. Em Ribamar, Castello compara a relação de seu personagem com o progenitor ao relacionamento que Kafka tinha com o próprio pai.
“Uma das minhas irmãs não fala mais comigo por causa do livro”, conta Castello. “Ela entendeu-o como uma biografia mentirosa”, completa ele. E diz mais: “Ficção, para mim, é uma ampliação arbitrária da realidade. E não um retrato fiel dela”. E o que torna a obra especial é o fato de ir contra o senso comum de colocar o protagonista falando apenas bem de um ente que se foi. As memórias, no caso, também mostram a dor, a raiva e a opressão que o personagem sentia da presença paterna (confira trecho no box abaixo).
Nesse sentido, Ribamar lembra O Filho Eterno, em que o escritor Cristóvão Tezza revelou os sentimentos contraditórios de um personagem em relação ao próprio filho. De certa forma, colocar um pai em xeque – ainda que seja na literatura e que o personagem o faça na intenção de encontrá-lo, encontrar a si mesmo e também promover uma reconciliação simbólica – é um ato de coragem do qual Lispector teria gostado. “Demorei quatro anos e meio para elaborar o livro”, diz o autor. “Recorri, inclusive, a vários amigos psicanalistas para ir fundo em certas questões”.
Tal imersão deu à obra dimensões paralelas aos conflitos existenciais e edipianos sobre os quais ela se sustenta. Ao falar do diálogo entre pai e filho, das coisas ditas e das não ditas entre eles e da dificuldade de traduzir com palavras as emoções humanas o autor faz também um belíssimo ensaio sobre a escrita.
Num paradoxo, Castello usa a própria escrita para transmitir a ideia de que essa linguagem pode estar aquém do que se quer contar. Mas da cabeça de um escritor, só se tem aquilo que ele escreve. E o que não falta é densidade às palavras em Ribamar.
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