Folha de São Paulo
Sessão: Para entender Direito
Sem entrar na discussão sobre quem está com a razão, há várias coisas que podemos aprender do ponto de vista jurídico:
Ao contrário do que muita gente acredita, a polícia pode entrar no campus de uma universidade pública. A maior parte das universidades públicas são autarquias (órgãos da administração pública indireta) e outras são fundações públicas (também órgãos da administração pública indireta). As chamadas cidades universitárias são áreas públicas pelas quais milhares de pessoas circulam todos os dias. Tecnicamente, elas pertencem à União ou à autarquia/fundação universitária. A polícia tem obrigação de evitar que crimes aconteçam ali. Se ela suspeita que crimes possam acontecer naquele espaço pertencente a entidades do governo, ela pode policiar, seja para proteger o patrimônio do governo, seja para proteger as pessoas que ali circulam. O que existe, normalmente, é um acordo entre a direção das universidades públicas e a polícia na qual aquela contrata empresas privadas de segurança, e a polícia restringe suas entradas naquelas áreas. Mas se um crime está prestes a ser cometido, sendo cometido ou foi cometido naquele local, a polícia não só pode como deve entrar naquele local. Imagine a situação inversa: se a polícia não pudesse entrar em um campus universitário, ele seria o lugar ideal para cometer crimes.
A história toda começou com a prisão de algumas pessoas usando maconha. Ao contrário do que muita gente acredita, o uso de drogas – mesmo maconha – ainda é crime no Brasil. Só não são punidos com prisão, mas ainda assim são punidos. O artigo 28 da Lei 11.343/06 diz que que “quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”. A polícia percebeu que um crime estava sendo cometido e prendeu os suspeitos. Óbvio que há crimes mais graves sendo cometidos pelo Brasil e, dado a escassez de recursos, a polícia precisa dar prioridades na alocação de seus recursos mas, tecnicamente, se a polícia vê um crime sendo cometido, ela precisa impedi-lo e prender os suspeitos para que o crime seja investigado. Não importa se o crime é grave ou pequeno. Mesmo porque só depois de investigado é que se pode ter certeza sobre a gravidade de um crime. O furto, por exemplo, pode ser de alguns centavos ou de muitos milhões. Você só vai descobrir a verdadeira extensão se investigar.
Os colegas que tentaram impedir a prisão acabaram cometendo um outro crime: a resistência. E aqui vale explicar o que é resistência e o que é desobediência (mencionada na matéria como uma das razões pelas quais os 72 alunos foram presos). Desobediência ocorre quando a pessoa recebe uma ordem legal de uma autoridade pública e deixa de cumpri-la. Resistência ocorre quando ela vai além: ela não só deixa de cumprir a ordem que recebeu, mas também, com violência ou ameaça, se opõe ao cumprimento da ordem.
O segundo crime mencionado na matéria, na verdade, é o que chamamos de dano qualificado. É o mesmo crime de dano, mas as penas são mais severas. No caso, o que o qualifica é que ele foi cometido “contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista” (art. 163, parágrafo único, inciso III de nosso Código Penal). A ideia é que é errado destruir, inutilizar ou deteriorar o patrimônio de alguém, mas é ainda mais errado se você faz isso com o patrimônio que pertence a todos nós.
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