Joaquim Falcão (*)
Mas afinal, quem manda no Brasil? Em principio não é nem Dilma nem a FIFA. É a Constituição. Portanto, a disputa jurídica entre elas tem de ser analisada a partir da Constituição. E é fácil de entender.
Para ter a Copa, o Brasil apresentou através de seu então presidente Lula um compromisso formal com a FIFA, obrigando o Brasil a oferecer onze garantias tais como permissão de trabalho, de entrada e saída, isenção de impostos para a FIFA, segurança e proteção, indenização.
Por sua vez, o presidente da FIFA, Blatter, obrigou-se também diante do Brasil, a realizar a Copa no Brasil e a outra serie de ações.
Agora a FIFA quer vender bebida nos estádios. O que nossa lei proíbe. Não quer meia entrada para jovens e idosos. O que nossa lei garante.
E o Brasil não quer se responsabilizar por indenização no caso de danos ao torcedor, que pelo Estatuto do Torcedor é de responsabilidade da entidade organizadora e não da União.
Tudo indica que no compromisso assinado estas exigências da FIFA não estão especificamente discriminadas. Diz apenas que a FIFA decidirá. Estariam portanto subentendidas.
O pressuposto é que assim como o Brasil conhecia as práticas da FIFA, de ingresso único e venda de bebidas em estádios, a FIFA também conhecia as leis brasileiras. Porém agora ela quer que o Brasil mude suas leis. Tarefa do Congresso, e não da Presidente Dilma.
Se o Congresso aprovar a lei Geral da Copa retirando os direitos dos idosos, por exemplo, tudo vai acabar no Supremo. E aí, só Deus sabe. Esta é a confusão constitucional. Certo? Não, errado. Ou melhor, certo até certo ponto.
A FIFA não é um país soberano. É organização privada. Tem mais países associados a ela do que a ONU. O Brasil não assinou tratado ou convenção com ela. O seu poder não é de direito. É de fato.
Pela clausula 7.7 do Contrato para Sediar a FIFA pode cancelar unilateralmente a Copa até o dia 1º de junho de 2012. Até que ponto este poder de fato pode se impor à soberania do Brasil?
Como pergunta Marcelo Neves: será o poder da FIFA, uma organização privada, um limite à soberania dos países?
Esta semana a seleção inglesa quis jogar um amistoso contra a Espanha colocando uma papoula, símbolo da paz da I Guerra Mundial, nos uniformes, e que todos os britânicos usam no dia 11 de Novembro, o Dia da Lembrança.
A FIFA vetou alegando que seu regulamento impede uso de símbolos políticos nos uniformes e que o uso da papoula poderia abrir “as portas para iniciativas semelhantes no mundo todo, colocando em risco a neutralidade do futebol”. Se a seleção inglesa não a obedecesse, o amistoso seria cancelado.
Levou uma polida e decisiva reclamação do Príncipe William, presidente da Associação Inglesa de Futebol, e do Primeiro Ministro Cameron e por trás, em silêncio, a própria Rainha da Inglaterra. As papoulas foram para o campo nos braços dos jogadores, autorizadas pela FIFA.
A Segunda questão constitucional é justamente esta: a dos valores que devem prevalecer na ordem global, seja nas relações governamentais, seja nas relações privadas.
Até que ponto o interesse meramente comercial, de quem tem o poder de fato com base na opinião pública, pode se impor sem limites a valores não comerciais, mas que partilham o respeito global.
O valor da paz e do armistício, na história Inglesa. O valor do respeito aos mais velhos. O valor do limite à comercialização do álcool que pode estimular a violência entre as torcidas adversárias.
Na verdade o que estamos assistindo é uma negociação entre partes poderosas: Dilma e Blatter. A FIFA recuou no caso da Inglaterra. Com certeza vai ceder um pouco diante do Brasil.
Mesmo porque a imagem da FIFA está cada vez mais desgastada no mundo justamente por esta voracidade comercial que não aceita limites nem os das Constituições dos países sede.
E se o tempo é o fator decisivo na maioria das negociações, quanto mais nos aproximamos da Copa, menos margem de manobra para mudar de sede a FIFA terá. Será?
(*) Diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, membro do Conselho Nacional de Justiça-CNJ e vice-diretor do Itaú Cultura
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