Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa (*) para O Globo
Quando Alice atravessa o espelho, ela conhece um personagem das histórias que os avós contam aos netos desde muito tempo, figura estranha, é um ovo mas não gosta que lhe chamem de ovo: Humpty Dumpty.
Alice para junto ao muro onde Humpty Dumpty está sentado e começam um papo bastante curioso. Palavras novas, que Alice nunca ouviu, como desaniversário, ou com novos significados que Humpty Dumpty lhes dá.
“Quando uso uma palavra”, Humpty Dumpty diz em tom levemente sarcástico, “ela significa exatamente aquilo que escolhi como significado, nem mais nem menos”.
“A questão é”, retruca Alice, “se você pode fazer as palavras terem significados tão diferentes”.
“A questão é”, declara Humpty Dumpty, “quem é o chefe, só isso”.
E não é que Humpty Dumpty tem inteira razão? A questão é só essa: quem é o chefe?
Vamos lá: agora no Brasil oficial ninguém é demitido. É convidado a pedir demissão. E na cerimônia do adeus é tão elogiado e cumprimentado, seu valor como homem, como funcionário público, como dirigente alçado a patamares tão altos que nós, os que ainda falamos português pré-PT, sem nada compreender, ficamos tontos.
É preciso recorrer à teoria humptydumpiana e lembrar que a/o chefe dá às palavras o sentido que ela/ele quer.
Coisa que os chefes aprendem com extrema facilidade. Porém não é só em semântica que devemos recorrer ao ovo em cima do muro.
Humpty Dumpty também representa aqueles que têm dificuldades em matemática, especialmente cálculo e abstração. Só conseguem verificar as contas quando as veem no papel e, ainda assim, duvidam.
Para convencer Alice que o desaniversário é muito mais vantajoso que os aniversários, ele pede à menina que faça as contas no papel: 365-1: 364. Ou seja, 364 desaniversários contra um aniversário. É óbvia a vantagem dos desaniversários! (Humpty Dumpty precisa olhar o caderno para crer na resposta que já conhecia, figura estranha esse cara).
Voltando à Esplanada do Novo País das Maravilhas veremos que assim como aniversários e desaniversários, as posses e as desposses nada mais são que a mesma festa repetida muitas vezes. Saudações, elogios, belas palavras, palmas, salgadinhos, água ou suco, é festa alegre, seja posse ou desposse!
Com enorme vantagem: o despossado sai com toda a honra e glória, tira merecidas férias e reaparece em novas funções em muito pouco tempo. Amigos não lhe faltam.
Em breve nós, neófitos nas novas linguagens, teremos que fazer como Humpty Dumpty: olhar no papel as contas dos despossados para perceber que as desposses, talvez em maior número que as posses, é que serão as boas festas.
(*) Jornalista
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