Cristovam Buarque (*)
Em 2009 fui a Chernobyl. Trinta anos depois do acidente, ainda não foi fácil conseguir autorização para visitar o lugar e as ruínas do reator nuclear. Consegui permissão para ir até o local por, no máximo, seis horas de permanência.
A paisagem que tive a oportunidade de ver foi assustadora, desoladora, uma devastação nuclear sem explosão. Silenciosa, sem fumaça.
Pude visitar prédios, escolas, restaurantes, centros de diversão, tudo abandonado, fantasmagórico, apesar da beleza do branco da neve ao redor. Uma roda gigante de um parque de diversão infantil mantinha-se intacta à espera da inauguração que seria no dia seguinte ao da tragédia. As casas estão invadidas pelas árvores que crescem dentro delas. Em breve, tudo será uma floresta, apenas o mausoléu do reator se manterá rodeado pelos prédios mais altos.
Tudo indica que o horror começou por um erro dos dirigentes da usina, que permitiu a um engenheiro testar até que ponto seria possível o reator funcionar em segurança. Ele perdeu o controle e o reator explodiu, emitindo as terríveis radiações. Durante algumas horas o governo soviético, apesar da "glasnost", preferiu manter a informação em segredo, até que, na Finlândia, analistas perceberam o forte aumento de radiação naquela região e revelaram o assunto ao mundo.
A partir da divulgação, o governo soviético decidiu esvaziar as duas cidades: a velha e modesta, quase medieval, Chernobyl, com suas casinhas de madeira; e a nova, ostentosa e moderna, um retrato menor de Brasília, sede oficial dos serviços e das residências de servidores da usina.
Dezenas de milhares de pessoas já contaminadas foram obrigadas a sair da cidade em poucos minutos, levando somente a roupa do corpo, que logo depois foi retirada e jogada em meio ao lixo classificado como contaminado.
Ao sair, depois de quase seis horas caminhando e conversando com os fiscais da área afetada, olhando para os medidores de radioatividade espalhados pela cidade, precisei passar por um detector de radiação que media todo o corpo para saber se voltaria para o hotel ou seria levado para o isolamento de algum hospital do país.
A visita mostra um quadro assustador. Pior é a percepção que vem ao conversar com pessoas que moravam a 200 quilômetros e até hoje carregam os efeitos na saúde dos familiares. Ainda mais ao ler sobre os milhares de mortos ao longo desses 30 anos; as pessoas que carregam doenças por toda a vida; e outras que transmitirão doenças aos filhos que ainda não nasceram.
Aquela visita me fez mudar a posição de ver a alternativa nuclear como energia limpa. Fukushima consolidou meu antagonismo ao uso de reatores nucleares como forma de gerar energia. Pelo menos enquanto não evoluírem a engenharia civil, para garantir resistência absoluta nas edificações, e a engenharia nuclear, para garantir o armazenamento seguro dos resíduos. Não se trata de dizer "nuclear jamais", mas definir uma moratória de 20 anos à espera de uma evolução na engenharia.
Neste momento, construir usinas nucleares é uma temeridade que beira o crime. Até mesmo manter as atuais é viver sob risco de tragédia em algum momento. Em vez de novas centrais nucleares, o Brasil precisa reduzir seu consumo de energia e investir em novas fontes, renováveis e menos perigosas.
A decisão do governo alemão na semana passada, definindo prazo para desativar todas as suas usinas nucleares, é um alerta que o Brasil não tem o direito de ignorar. Suas usinas estão em locais mais protegidos que as nossas; seus sistemas de defesa civil são mais bem organizados; sua dependência de energia nuclear é de 23% do total da demanda de energia, enquanto a nossa é de apenas 3%. E a Alemanha não tem as alternativas de fontes energéticas que temos. Se a Alemanha está assustada, será um crime fecharmos os olhos. Sobretudo ao lembrar que importamos a velha tecnologia que os alemães desenvolveram e agora já não serve para eles.
(*) Engenheiro Mecânico, Economista, Educador, Professor Universitário e Senador da República pelo PDT.
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