Socrates (*)
Poucas semanas se passaram desde a última rodada da Copa dos Campeões da Europa e lá estava eu, de novo, plantado em frente à televisão para mais um martírio. Para quem não acompanhou, ou leu, ou criticou, ou nem se deu conta do que aconteceu esta semana, reforço a ideia de que assistir a esses jogos é puro masoquismo. É que a inveja é cada vez maior. Desta vez, ao contrário de sempre, me preveni e resolvi montar um esquema para ter companhia mesmo que pudesse me arrepender depois.
Queimei a pestana para lembrar-me de algumas pessoas que pouco ou nada entendessem de futebol para poderem me acompanhar. Pelo menos eles jamais saberiam que estariam vendo uma gravação, já que tive um compromisso inadiável e só poderia assistir mais tarde ao grande espetáculo. É que, com raras exceções, teriam de ser grandes vagabundos para ter tanto tempo disponível no horário comercial.
Ainda recebia meus dois convidados quando, apesar da falta de informação, imaginei que o rei de Espanha, como sempre, deveria estar presente no estádio de Madri. Meu Deus do céu! Se já não bastasse toda a diferença monumental entre uma partida realizada aqui com as do Velho Mundo, ainda tenho de aguentar a presença real para assistir ao jogo. Ora, tenha dó de mim. E olhe que não é um rei qualquer. Foi o homem que devolveu aos espanhóis a dignidade e a independência perdidas durante a ditadura de Francisco Franco. Em pouco tempo a Espanha tornou-se uma das nações mais respeitadas no mundo. E dizem ainda que ele, o rei, é um tremendo pé-quente. Taí, Dilma, quem sabe sua presença não empurra nossos times para o bom caminho? Se não for no campo, que ao menos seja na firmeza para mudar esta realidade horrível que aí está. É o que esperamos, eu e meus companheiros de poltrona, que não paravam de bocejar.
Com o rei presente ou não, o jogo começou. O Real (será que é por causa dele que o time se chama assim?) até que tentou equilibrar a partida nos primeiros minutos, mas a diferença técnica é impressionante entre os dois gigantes espanhóis, ainda que, na final da Copa do Rei, o time da capital tenha vencido. Apequenado e medroso, o Real Madrid chamava o Barcelona para dentro do seu campo na tentativa de marcar nos contra-ataques. Sem sucesso para nenhuma das opções táticas, o primeiro tempo terminou empatado, mas com direito a confusão nos arredores do gramado.
Em campo alguns compatriotas. Nenhum com codinome de rei ainda que tenhamos a insistência de nomear uma série de monarcas populares. Na verdade, os brasileiros foram protagonistas de alguns dos lances mais desleais da partida, como a agressão de Marcelo em um atacante adversário e a justa expulsão de Pepe. A partir daí, a superioridade do Barcelona se impôs. Com um a mais e toda a posse de bola, suas chances de vitória gradativamente foram aparecendo.
Sai o primeiro gol do time espanhol, e adivinhe quem é que faz? O melhor do mundo, Messi. Há alguns anos tínhamos como protagonista pelo menos um brasileiro. Mais um motivo para coçar a cabeça, arrancar os cabelos e chorar baixinho. Sempre tivemos grandes artistas nessas situações, como Ronaldo, Ronaldinho, Rivaldo e outros. Agora, não! O grande é um argentino baixinho. Fazer um gol numa semi da Copa dos Campeões não é para muitos.
Porém, ele não parou por aí e fez outro gol antológico antes do final da partida, calando a grande torcida de Madrid.
E ali nas dependências do estádio do Real é que encontramos outra gigantesca diferença para com o nosso futebol: as acomodações são portentosas, acolhem com conforto todos os que comparecem para assistir aos grandes espetáculos. É por isso que nossos jogadores sonham em ir correndo para o Velho Mundo. Como o meia Paulo Henrique Ganso, que parece estar indo para o Milan da Itália. Grandes jogos, grandes espetáculos, belíssimos estádios e, de vez em quando, com a presença real na tribuna. Uma verdadeira festa para os olhos e para o coração.
Por aqui, vemos, a todo momento, desprezo com os consumidores, agressões de toda sorte e a eternização dos dirigentes no poder de clubes e federações. Ainda outro dia houve uma nova reeleição em um grande clube paulista. Quando perguntado do continuísmo, um antigo dirigente respondeu: “Continuidade”. Como se o termo representasse algo de positivo nesta absurda realidade do nosso esporte. Se não aprendemos com os nossos erros e com os acertos dos que fazem o esporte acontecer de verdade, jamais sairemos do “buraco” em que nos colocamos. •
(*) Médico , comentarista esportivo, foi jogador de futebol do Corinthians, entre outros clubes, e da seleção brasileira.
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