Ricardo Noblat (*)
O que há em comum entre Antonio Palocci, chefe da Casa Civil da presidência da República, dono de um patrimônio que se multiplicou por 20 no curto período de quatro anos como deputado federal, e Dominique Strauss-Kahn, ex-diretor do Fundo Monetário Internacional, preso em Nova Iorque por ter agredido sexualmente uma arrumadeira de hotel?
Em comum: Palocci e Dominique não podem contar exatamente o que fizeram – nem por que fizeram.
Palocci alega que uma cláusula de confidencialidade o impede de tornar pública a lista de clientes de sua empresa de consultoria. Somente no ano passado ela faturou R$ 20 milhões – metade entre o dia da eleição e o dia da posse de Dilma.
Dominique insiste em repetir por meio de seus advogados que é inocente. Não, não se trancou com a arrumadeira em uma suíte do Hotel Sofitel, no coração de Nova Iorque. Não, não a jogou sobre a cama para estuprá-la. Muito menos a obrigou a sexo oral. A Justiça aceitou as sete acusações que pesam sobre Dominique.
Por ora, nenhuma acusação pesa sobre Palocci. Pesa a robusta suspeita de que enriqueceu rapidamente fazendo lobby para empresas empenhadas em fechar negócios com o governo. Ou municiando-as com informações privilegiadas às quais tinha acesso como ex-ministro da Fazenda do governo Lula e influente deputado do PT. Ou, ou, ou...
Palocci perdeu a voz desde que a Folha de S. Paulo, há uma semana, publicou que ele comprara no final do ano passado dois luxuosos imóveis em São Paulo pela bagatela de R$ 7,4 milhões. Isso depois de ter declarado à Justiça Eleitoral que o valor do seu patrimônio em 2006 não chegava a R$ 380 mil. Agora, Palocci só fala por escrito.
Sem lhe cobrar tostão ou favor, ofereço-me para traduzir o que tem dito.
Palocci disse que pôde comprar os dois imóveis graças ao salário de deputado e mais o que lucrou como consultor. Se apenas no ano passado a consultoria lhe rendeu R$ 20 milhões, imagine-se a preciosidade dos conselhos dados por ele a seus clientes...
Compare: quanto o mensalão do PT movimentou para pagar despesas de campanha do partido e comprar o apoio de dezenas de deputados? Algo como R$ 55 milhões.
A empresa de Palocci se resumia a ele mesmo. O que faturou, contudo, iguala ou supera os ganhos das maiores empresas do ramo – algumas delas com cerca de 100 funcionários.
No ano em que mais embolsou dinheiro, justamente o das eleições gerais, Palocci dividiu-se entre as tarefas de consultor e de fiador da candidatura de Dilma junto ao mundo econômico. Digamos que de manhã ele vendia o projeto que Dilma tinha para o país. E que à tarde, e para as mesmas pessoas, vendia a Projeto, a consultoria dele.
Disse Palocci que os cofres da Projeto se entupiram de dinheiro nos últimos meses do ano passado só porque estava para fechar.
Curioso! Justo na contramão de outras empresas que às vésperas de fechar costumam arrecadar pouco.
Palocci repudia qualquer insinuação de que possa ter traficado influência. Não. Jamais!
Donde se conclui que os clientes da Projeto, sem nenhuma outra intenção a não ser a de honrar compromissos assumidos no passado, pagaram a Palocci de boa fé a fortuna de R$ 10 milhões quando já estava certo que ele seria o mais poderoso ministro do novo governo. Nada esperavam dele em troca. Nem ele lhes prometera coisa alguma.
Por que essa história soa como inverossímil?
Encerro a tarefa de traduzir Palocci lembrando o que aprendi em 29 anos de Brasília: quanto mais grave pareça um episódio envolvendo cabeças coroadas da República, maiores são as chances de que dê em nada.
A CPI que investigou o Caixa 2 da campanha do então presidente Fernando Collor apertou os calos do ex-tesoureiro Paulo César Farias (PC Farias). Deixou em paz empresários e banqueiros que bancaram a aventura da dupla.
A força de Palocci reside na estreita e sólida ligação com os “donos do poder”, assim batizados pelo historiador Raimundo Faoro. Foram eles que financiaram sua eleição para a Câmara dos Deputados em 2006, a Projeto e o projeto de Dilma.
Com naturalidade, aplica-se a Palocci a distinção conferida por Lula a Sarney: trata-se de um homem incomum.
(*) Jornalista, responsável pelo Blog do Noblat no jornal O Globo
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