domingo, 22 de maio de 2011

Pense e logo insista

Bellini Tavares de Lima Neto (*)

Dia desses me ocorreu perguntar à minha filha e ao seu namorado o que eles me responderiam se eu dissesse que eles eram de fritar bolinho. Nenhum dos dois soube me responder. Insisti com a pergunta ao meu filho, um pouco mais velho. Ele, assim como a sua namorada, não fazia a menor idéia do que fosse aquilo. E, então, eu fiquei pensando nas inúmeras vezes em que gente da minha idade quis sair no tapa por conta dessa afirmativa. Brigar por alguma coisa que hoje ninguém sabe sequer o que significa. É difícil dizer se isso tem jeito de resolver. Afinal, as coisas valem enquanto estão em vigor. O que não se consegue avaliar é por quanto tempo elas vão ficar valendo. E é exatamente aí que reside a pergunta perturbadora: será que isso, pelo que estou praticamente dedicando a minha vida, vai valer alguma coisa amanhã de manhã?

Eu tive uma vizinha de frente, uma moça de muito boa índole, cheia de bons princípios e modos irrepreensíveis, que acabou tendo um trágico fim por conta de um desses conceitos de plantão. Ninguém nunca ficou sabendo de nada até que tudo acontecesse. Essa garota viajou num carnaval e deveria estar de volta ao trabalho na quarta-feira de cinzas. Mas não apareceu. E nem na quinta e nem na sexta. Só mesmo depois de quase uma semana se ficou sabendo que o corpo havia sido encontrado numa praia distante. E também se ficou sabendo que, na autópsia, foi constatada uma gravidez. E, naturalmente, uma mensagem lacônica dando conta que não era mais possível continuar vivendo com aquela desonra. Foi um tremendo impacto na vizinhança. Não me lembro de ninguém levantando acusações contra a gravidez pecaminosa, punida de forma tão severa pela própria pecadora. Mas também não sei dizer como seria se, em lugar do suicídio, ela tivesse levado adiante o que ela mesma chamou de desonra. Talvez os mesmos comentários compungidos tivessem se transformado em línguas afiadas. A lógica é um tanto complicada. O mesmo pecado, se punido, parece que deixa de ser pecado e se transforma em ato de vitimização. Mas, se não punido, ah! haja caminhos para o inferno. E hoje, algumas décadas depois, quem, cometeria o mesmo ato extremo por tão pouco?

Alguns anos depois, junto com alguns amigos, vivi uma experiência dramática de tentar evitar que uma menina descambasse pela vida abaixo. Contando lá seus quinze anos, a guria, que não era exatamente um exemplo de equilíbrio em matéria de comportamento, acabou embarrigando sem nem imaginar quem poderia ser o autor da façanha. Não se pode dizer que tenha sido uma grande realização a da mocinha, mas também é de se imaginar que um comportamento desses bem que poderia ter despertado alguma suspeita na cabeça dos país, sobretudo quando se tem em conta que o pai era um médico. Mas, a opção foi outra, bem mais simplista. A garota foi colocada para fora de casa, ela e sua barriga já bem avantajada. E foi encontrada casualmente por um amigo que se penalizou, convocou outros tantos amigos e lá fomos todos nós nos debruçar na cruzada pela recuperação da guria. O que, naturalmente, não levou a nada pois a menina não estava nem um pouco interessada em andar na linha e nenhum de nós, um bando de garotos travestidos de salvadores do mundo, era capaz de fazer coisa alguma além da empreitada ideológica que levamos adiante sem qualquer resultado. A garota sumiu das nossas vistas e só foi encontrada tempos depois, já instalada em uma das esquinas de uma avenida de grande circulação. Da criança nunca se soube nada. É possível que, ainda hoje, haja quem se decida a expulsar de casa uma filha nessas condições, mas se o fizer, será por conta exclusiva do desinteresse em ter trabalho porque, em matéria de impacto moral ou social, pouca gente ainda liga para isso. A sobrevivência é exigente e não dá mais chance de se perder tempo e energia com essas filigranas.

É claro que seria muito fácil se cada um tivesse consigo uma bola de cristal para saber se o que hoje é importante, também vai querer dizer alguma coisa amanhã cedo. E aí só se iria disputar as coisas que tivessem um caráter definitivo; Mas não é assim e, além do mais, fica ainda mais complicado delimitar o que seja um caráter definitivo. Talvez, então, o grande desafio seja analisar coisa por coisa, situação por situação e tentar pesar o que elas têm de verdadeiramente significativo a ponto de valer a pena dar a vida por elas. Ou, sendo menos dramático, de se empenhar, de criar uma trincheira entre nós mesmos e os outros, enfim, de sair no tapa com o resto da humanidade por conta delas. Nenhum dos dois fatos que levaram as duas moças à tragédia valeram a pena. Só naquele momento e, assim mesmo, por pura falta de reflexão. Não fosse a cretinice de meia dúzia de preconceitos e a moça suicida talvez tivesse criado seu filho ou filha feliz da vida. E quem sabe quem seria esse filho ou filha? Talvez mais um anônimo ou, então, um benfeitor da humanidade. Não deram chance à moça de descobrir. Nem de prosseguir. E a outra mocinha, criança que carregava outra criança dentro de si, talvez não tivesse necessariamente que ir bater calçada ou rodar bolsa nas madrugadas se alguém tivesse tido um pouco menos de preocupação com “o que vão dizer” e um pouco mais de atenção com “o que eu vou dizer um dia a quem sabe quem?”

Pensar nunca fez mal a ninguém, exceto aos mal intencionados. Por essas e outras é que eu fiquei tão chocado ao perceber que ninguém mais sabe o que significa “ser de fritar bolinho”. Quanto bofetão à toa!

(*) Advogado , morador em S. Bernardo do Campo (SPO).
Escreve para o site O Dia Nosso De Cada Dia - http: blcon.wordpress.com

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