Manuel Dutra (*)
A comparação é desproporcional, mas é válido lembrar Mao Tse-Tung quando disse que a revolução não é um banquete. Quem pensa - se há alguém pensando assim - que a institucionalização dos Estados do Tapajós e do Carajás são favas (quase) contadas, está redondamente enganado.
Podem ser criadas estas duas novas unidades, e devem ser criadas, mas os envolvidos na luta, de modo particular os partidários da separação, devem ter claro na cabeça que isso é e será dificílimo. Não digo impossível, mas a guerra ainda nem começou, a despeito de alguns tiros já disparados.
Primeiro, devem refletir que nenhum dos 26 Estados brasileiros foi criado dessa maneira, por um misto de ação parlamentar e movimento popular. O que mais se aproxima é Tocantins, instituído pelos constituintes de 1988, fruto de uma movimentação dos congressistas-constituintes sob a liderança do futuro multi-governador Siqueira Campos, que chegou a fazer greve de fome na Praça dos três Poderes, em Brasília.
Os demais foram criados por atos discricionários que vão do Imperador Pedro II (Paraná e Amazonas), passando por Getúlio Vargas (os Territórios Federais hoje Estados) até o general presidente João Figueiredo, que cortou ao meio o Estado do Mato Grosso. Atos autoritários, portanto, contra os quais não houve ou não se manifestou oposição, por óbvias razões.
Aí está a dificuldade histórica que remonta ao Descobrimento, com a criação das capitanias hereditárias, depois repartidas em sesmarias, que pariram o latifúndio que ainda está aí, lépido e fagueiro, consagrado pelo viés centralizador do poder central brasileiro e pelo patrimonialismo territorial subjacente à histeria e ao descontrole emocional, o que dá no mesmo, que invade a alma das elites tradicionais quando se fala em reorganização do território.
Até parece que dividir, reunir, incorporar território dentro da Federação é coisa do diabo, inconstitucional, é como separar-se do Brasil, criar um outro país. Ao contrário, pleitear novos municípios e novos Estados é tão constitucional quanto pagar imposto de renda.
As outras dificuldades contemporâneas são conhecidas e, por conhecidas, não podem passar despercebidas: estas dificuldades vêm desde Brasília até o município de Óbidos. O governo federal é contra e tudo fará para impedir o andamento do processo do plebiscito. A maioria dos congressistas, especialmente a imensa bancada paulista e de outros Estados são contra. O governo do Pará, naturalmente contrário, já está pondo em prática um arsenal que, em caso de haver mesmo plebiscito, só não contará com bomba atômica, mas o resto valerá!
E os empresários de Belém? Aqueles com raízes familiares e históricas aqui são contra e já se movimentam. Porém há outros, entre eles alguns também com antigas raízes aqui, estão na moita, como aliás se revela o "patriotismo" e o "regionalismo" de todo empresário, cuja pátria se encontra onde se encontram as oportunidade de aumentarem o seu capital.
O Grupo Yamada, por exemplo, já comprou meio mundo de imóveis dentro da cidade de Santarém, inclusive o antigo estádio de futebol, além de terras na BR-163, estocando, certamente, recursos para um provável futuro, a despeito de Fernando Yamada ter-se proclamado contra a conclusão da BR-163 e a criação do Estado. Mas isso ele disse faz tempo...
No varejo, há as dificuldades existentes no próprio interior da região Oeste do Pará. Em Óbidos, por exemplo, o jornalista Ronaldo Brasiliense, pretenso candidato a prefeito, prega o voto "não" no plebiscito, caso este se realize. Se ele se sente seguro para essa pregação é porque há quem o ouça. Mas Óbidos tem bronca histórica contra Santarém, desde os tempos idos em que aquele bela cidade da margem esquerda do Amazonas foi o mais importante porto entre Belém e Manaus, e sede de um importante grupamento militar de atalaia contra imvasores estrangeiros.
A desconfiança é velha também entre outros municípios da margem esquerda, onde há pessoas que alegam que o nome "Tapajós" não lhes respeito, está longe, etc. O que não deixa de ser verdade, embora isso não passe de uma desculpa para a velha aspiração de Óbidos de se tornar também sede de uma entidade autônoma.
Além do mais, a pergunta: quando o projeto do Tapajós sairá do Senado? O que acontecerá quando, e se, chegar à Câmara? Há possibilidade de fazer o plebiscito só do Carajás? Aí a derrota é certíssima, pois só existe alguma chance de o plebiscito ser favorável às duas entidades se as duas entrarem na mesma consulta popular. O projeto do Tapajós empacou na Câmara por causa da estupidez de aumentarem absurdamente o tamamnho do território, chegando a quase 60% do Pará inteiro, fazendo crescer, dessa forma, a raiva do governo e dos políticos paraenses opostos à divisão.
E tem mais e muito mais: as manobras parlamentares, os recursos que irão ao infinito no STF até minutos antes de começar a votação do plebiscito. Como se sabe, o STF ainda nem decidiu quais são as áreas "diretamente" interessadas. Vai decidir quando? A decisão vai favorecer o viés histórico: fica tudo como está, nada muda. E tem a campanha que, se houver, será feroz e num nível que é fácil de prever o que será dito na televisão e no rádio.
Como se percebe, a guerra está só no começo. Para os adeptos da criação dos Estados do Tapajós e do Carajás há um longo, a "very long, long, long way to run...". O banquete, se ainda for nesta geração, já tem o cardápio, esse que está aí acima.
Mas, para consolo dos que esperam o dia da festa, lembro o que disse um natural adversário da divisão territorial, mais ou menos com estas palavras: Sou contra a criação do Estado do Tapajós (não se falava ainda do Carajás), mas sei que ele será criado um dia, seja neste século, seja no próximo". Quem assim falou foi o empresário e político paraense de Marabá, mas que sempre viveu em Belém, Oziel Carneiro, em artigo no jornal O Liberal, há cerca de 25 anos, pouco tempo depois que ele tentou, sem êxito, ser governador do Pará. Ele falou ainda no século 20 e já estamos no 21.
(*) Jornalista, Professor e morador em Belém (PA)
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