sexta-feira, 27 de maio de 2011

Os sintomas da rouquidão

Bellini Tavares de Lima Neto (*)

Cada vez mais eu tenho descoberto que não há nada tão educativo, ilustrativo e enriquecedor quanto o silêncio. Quando se é mais jovem existe dentro de nós uma quase compulsão a falar. Independente da situação social que se esteja vivendo, há uma necessidade imperiosa de se manter na dianteira da arte de falar. Em reuniões de trabalho, por exemplo, ficar em silêncio equivale a levantar uma placa onde há uma seta indicando para a nossa própria cabeça e uma afirmativa categórica: “idiota”. Ou pode ser “incompetente”, “ignorante”, “inexpressivo”, “omisso”, “perdedor”. E aí, compelido pela pressão da placa, passamos a falar e falar até a exaustão. Especialmente a dos ouvintes. E é exatamente nesse momento e contexto que surgem inúmeras oportunidades de se dizer besteiras, tantas que caberiam num livro grosso. Poderia muito bem ser um livro de técnicas sobre como não se comportar em reuniões de trabalho. Só mesmo o tempo, o sábio regulador das compulsões mais profundas, é capaz de nos conter e, aos poucos, ir ajustando os botões dos nossos controles até nos sintonizar corretamente e acabar com a estática. Quando isso acontece, descobre-se que é possível passar uma reunião inteira sem dizer absolutamente nada além dos cumprimentos iniciais que, é claro, sempre será de bom tom cumprimentar as pessoas e não se transferir para a banda dos eremitas. Mas, permanecendo em silencio quando não se tem nada de útil a dizer pode significar vantagens de grande valor. Não se estica a reunião em demasia, não se cansa os ouvidos dos demais, não se corre o risco de se candidatar ao troféu “besteirol do ano” e, de quebra, ainda permite que se ouça o que dizem os demais e, então, se possa absorver informações e conhecimentos enriquecedores.

Em uma reunião social não é nada diferente. Mudam apenas as posturas pessoais, a entonação das vozes, a postura do queixo, das mãos, do nariz. Embora se mostrando um pouco mais descontraído, o compulsivo vai se comportar da mesma forma que faria se estivesse num momento profissional. Vai querer dominar a cena. Alguns já na chegada anunciam a que vieram. É como se, antes mesmo dos cumprimentos, já deixassem claro que “quem fala aqui sou eu”. Outros já são adeptos da tática de comer pelas beiradas. Vão chegando de mansinho, esperam uma deixa e, então, para tomar a bola só fazendo falta. Bola, aliás, que ele ou ela rapidamente recuperam porque quando se faz falta ela volta para a vítima. Em qualquer das duas hipóteses, o falador vai se apoderar do palco e vai protagonizar o espetáculo rigorosamente como monólogo. Vai desfilar suas experiências, seus conhecimentos, suas histórias via de regra bem sucedidas (o falador, quase sempre, não tem fracassos, situações vexatórias, momentos em que tenha ficado em segundo plano). Não sei se faz parte da estratégia para não conceder apartes ou interrupções ou se já alguma coisa incrustada na personalidade da criatura, mas o falador não sugere, não propõe, não cogita. O falador decreta. De maneira quase majestática, ele não emite impressões ou opiniões. Muito ao contrário o falador estabelece verdades absolutas, contra as quais não há contestação ou discordância. Ou alguém vai discordar de que a água é molhada ou o fogo queima? Esse é o grau de certeza das verdades definitivas manifestadas por um monopolista da arte de falar.

E, afinal, quando acontece de se topar com um personagem assim, aí é que vai ser necessário decidir que conduta adotar. É claro que também vai depender muito do momento etário em que isso acontecer. Sim, do nosso momento etário, da nossa faixa de idade e do quanto já caminhamos por este mundão vivendo situações diversas. Se ainda estivermos na fase da competição é possível que a conversa se transforme em dois monólogos ao mesmo tempo. O falador fala de um lado e nós falamos de outro. Um não ouve o outro e isso a tal ponto que, no final, seja do evento de trabalho, seja em reunião social, pode perguntar a qualquer dos dois como foi a conversa e nenhum vai saber responder. Já se o tempo correu um pouco sobre as nossas costas, a atitude pode ser outra. Afinal, envelhecer tem que ter uma ou outra vantagem. Uma delas é aprender sobre a riqueza do silêncio. Faz bem pouco tempo me deparei com um desses vampiros da palavra. Era um evento temático, uma dessas reuniõezinhas inteiramente ditadas e determinadas por um tema. Pode ser comida, bebida, lançamento de livro, desfile de moda e mais um milhão de outras coisas. Pois o meu personagem chegou de mansinho e depois dos cumprimentos e formalidades, começou, também de mansinho, a discorrer sobre o tema da reunião temática. De cátedra, ensinando, professorando. Até com certa classe nos deixou a nós, ouvintes, com cara e sentimento de ruminantes que podem até começar a se perguntar por que levaram sua ignorância majestosa aquele lugar. E, sem exaurir inteiramente o tema da reunião temática, ainda nos brindou com toda a história da sua vida desde a mais tenra idade. Quase uma saga. Falou, opinou, ensinou, decretou e, no final, se despediu lamentando por nós a perda de sua companhia. E se foi embora.

Foram mais de duas horas e ele, certamente, não ficou sabendo nem o meu nome. Eu, em compensação, aumentei e muito o me patrimônio cultural. Fiquei rouco de tanto ouvir.
 
(*) Advogado , morador em S. Bernardo do Campo (SPO).
Escreve para o site O Dia Nosso De Cada Dia - http: blcon.wordpress.com

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