segunda-feira, 30 de maio de 2011

Não é fácil reparar estradas

Opinião do Estadão

As chuvas torrenciais no fim de 2010 e no início deste ano trouxeram enormes prejuízos às estradas de rodagem em todo o País. Além dos danos na região serrana do Rio, as tempestades que assolaram os Estados do Sul e do Nordeste interromperam o tráfego de veículos em vários pontos de rodovias federais por causa de queda de barreiras, de pontes ou desabamentos de parte das pistas. Trafegar em meia pista ou utilizando desvios provisórios, ainda hoje, é frequentemente a única alternativa. No Centro-Oeste, para poderem escoar as safras, os próprios produtores se organizaram para tapar buracos e reparar estradas. Essa situação caótica levou o governo a determinar a licitação, dentro de 40 dias, de pacotes de obras para restaurar 12 mil km de rodovias federais, mas isso pode demorar muito mais do que se imagina, e a um custo mais alto. Mesmo para reparar estradas, segundo o diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit), Luiz Antonio Pagot, as obras têm de passar pelo crivo de quatro instituições socioambientais antes de chegar ao Ibama para licenciamento, o que, muitas vezes, pode demorar dois anos. "É um absurdo completo", como disse ele ao jornal Valor (17/5). De fato, se o processo não for simplificado para ganhar agilidade, será praticamente inviável restaurar, a médio prazo, a malha rodoviária federal, já notoriamente insuficiente para atender às exigências do desenvolvimento nacional.

Entre os órgãos que podem intervir no licenciamento de obras estão a Fundação Cultural Palmares, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e a Funai.

Segundo Pagot, a Funai chega a agir retroativamente para embargar obras, entre as quais ele citou a construção de uma igreja em uma aldeia indígena. Outras vezes, o Dnit é obrigado a construir ciclovias, erguer galpões para estocagem, casas de farinha ou tanques para piscicultura.

Demandas como estas podem expressar aspirações de comunidades diversas, mas não têm nada a ver com o Dnit, cuja função é cuidar das condições das estradas federais, que exigem melhoras substanciais, de modo a eliminar pontos de estrangulamento, dotar de acostamento longos trechos e corrigir curvas perigosas que têm levado a inúmeros acidentes.

Para um trabalho bem feito, que deve abranger apenas rodovias já abertas e em operação - ainda que precariamente -, o Dnit não pode ceder às pressões de fundações e institutos oficiais que, na realidade, podem estar servindo como veículos institucionalizados do clientelismo. Cálculos do órgão revelam que, até 2007, para cada R$ 100 milhões empregados em rodovias federais, R$ 7 milhões foram gastos com ações ligadas ao licenciamento da obra. Esse total mais que dobrou com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), estando hoje em R$ 18 milhões.

O custo direto é maior, uma vez que o Dnit utiliza 420 funcionários só para preparar toda a papelada e acompanhar o processo de obtenção de tantas licenças. Os custos indiretos para a economia do País são incalculáveis, mas certamente estão na casa de bilhões de reais.

Em essência, esta é uma questão de gestão pública. Como o Ibama é o responsável pela licença final, a lógica indica que deveria centralizar as recomendações ou as possíveis reservas que as fundações e outros institutos oficiais possam fazer com relação a projetos rodoviários. Não é aceitável que rodovias não obedeçam às normas de proteção às áreas indígenas, atrapalhem o extrativismo vegetal sustentável ou danifiquem o patrimônio histórico-cultural. Contudo, em sentido amplo, tudo isso está ligado à preservação do meio ambiente, cujos requisitos o Dnit, segundo seu diretor, não se tem negado a cumprir.

Se o governo não agir rapidamente, a situação tende a se complicar, já que se prevê que outros 20 mil km de rodovias devem ir à licitação em outubro deste ano. Tudo somado, os investimentos previstos são de R$ 16 bilhões nos próximos cinco anos, que o País simplesmente não pode se dar ao luxo de desperdiçar.


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