quarta-feira, 4 de maio de 2011

O pós Bin Laden e a América Latina

Clóvis Rossi (*)

Que efeito terá sobre as rebeliões em curso no mundo árabe a morte de Osama bin Laden?
Difícil adivinhar enquanto não houver indicações claras a respeito da resposta das diferentes franquias terroristas ao assassinato de seu líder simbólico.
Até agora, a avaliação praticamente consensual era a de que o segundo grande perdedor com as revoltas, depois dos próprios regimes autoritários, era exatamente a Al Qaeda, virtualmente desaparecida como ator político durante as manifestações. Um dos fenômenos mais sintomáticos notados durante as rebeliões era a ausência de bandeiras norte-americanas queimadas (ou as de Israel, por falar nisso) e dos gritos tradicionais "ianques go home", quase obrigatórios até então nas manifestações públicas.
Havia, ao contrário, uma adesão a valores que são universais mas dos quais o Ocidente acabou se apropriando e se tornou irradiador, por mais que muitas vezes os tenha violado, inclusive nos países em rebelião.

Um desses valores é exatamente a democracia pela qual se luta em tantos países de uma região que, a rigor, não a conheceu a não ser a conta-gotas.
Do meu ponto de vista, a maior ou menor incidência do fundamentalismo islâmico no pós Bin Laden vai depender precisamente do teor de democracia que acabar vingando na região, se de fato vingar, e das respostas que ela for capaz de dar aos anseios populares.

Permito-me, para ilustrar o ponto, uma regressão à América Latina dos anos 80. Na Argentina, por exemplo, na campanha presidencial de 1983, quando a ditadura se esfacelava, Raúl Alfonsín fez campanha dizendo que, com a democracia, o argentino comeria melhor, teria melhores cuidados com a saúde, teria uma educação de melhor qualidade e por aí vai.
Bom, não foi exatamente isso o que aconteceu, como todos sabemos. Mesmo no Brasil, a democracia foi vendida como uma espécie de pomada maravilha, mas foram necessários quase 10 anos, entre a restauração democrática de 1985 e o Plano Real, de 1994, para que as coisas começassem de fato a se encaminhar --e apenas começassem.

É absolutamente lógico supor que, no Oriente Médio, o processo de democratização passará pelas mesmas dores ou até maiores, pelo muito maior tempo de vida sem liberdades. Na América Latina, não havia para onde correr, no caso de desencanto com a democracia, porque os regimes autoritários de direita estavam desmoralizados e, os de esquerda, logo ficaram, com a queda do Muro de Berlim, em 1989.
Já no Oriente Médio, o fundamentalismo religioso pode ser uma tentação. É por isso que os países latino-americanos, especialmente o Brasil, podem servir de ombro amigo para o Oriente Médio. Não fazendo sermões, ao estilo que o mundo rico costuma, mas mostrando as experiências práticas que tiveram na delicada transição.

(*) Jornalista é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha de São Paulo .

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