Foi tudo esquisito na visita que o venezuelano Hugo Chávez faria ao Brasil ontem e acabou cancelando de última hora.
Primeiro, Dilma decidiu trocar o tradicional banquete do Itamaraty, com a presença da imprensa, por um almoço fechado no Palácio da Alvorada. Depois, Chávez avisou na noite da véspera que não viria mais por causa de problemas no joelho. Por fim, o relatório do IISS (Instituto Internacional de Estudos Estratégicos) foi divulgado em Londres e caiu na internet justamente quando os dois chanceleres, Antonio Patriota e Nicolás Maduro, se reuniam na terça-feira no Itamaraty.
O relatório diz coisas do arco-da-velha sobre as relações de Chávez com as Farc, o grupo narcoguerrilheiro que inferniza a vida dos governos (e das populações) na Colômbia. Diz, por exemplo, que a Venezuela prometeu pagar US$ 300 milhões para que ele treinasse milícias venezuelanas; que o acordo previa até o assassinato de adversários políticos de Chávez; que as Farc orientaram o também terrorista ETA, da Espanha, em território venezuelano.
Tudo coisa feia, tirada dos computadores de Raul Reyes, o número dois das Farc, morto numa ação armada da Colômbia em território do Equador, o que valeu aos colombianos uma condenação praticamente unânime da OEA (Organização dos Estados Americanos) em 2008.
Se a liberação do documento do IISS fosse durante o governo Lula-Amorim, o Brasil rapidamente tomaria as dores da Venezuela, arranjando um jeito de dizer que era uma ingerência inadmissível dos países ricos contra a América do Sul e de desqualificar o teor, os autores, a divulgação.
Mas, na gestão Dilma-Patriota, não funciona bem assim. Como em casos anteriores, o Brasil não condenou, não elogiou, não entrou no mérito. Patriota limitou-se a dizer que o que importa é que "o clima" entre Venezuela e Colômbia melhorou muito ultimamente (cá pra nós, depois da troca de presidentes colombianos, de Alvaro Uribe para Juan Manuel Santos).
Na verdade, o Brasil manteve a mesma posição de quando os Estados Unidos estouraram o esconderijo do Paquistão, mataram Bin Laden e jogaram o corpo no mar: se não diz respeito diretamente aos interesses brasileiros, o país não tem nada a ver com isso.
.No caso da Venezuela-Colômbia, soa assim: "em briga de marido a mulher, ninguém mete a colher". Ou seja: o Brasil, via governo e Itamaraty, vai ficar na arquibancada. Se o PT quiser entrar em campo, que o faça por sua conta e risco.
A Venezuela é um parceiro importante para o Brasil. O comércio bilateral foi de US$ 4,6 bilhões no ano passado, tão francamente favorável ao Brasil que é responsável por 15% do superavit global brasileiro. E o portfólio das empresas brasileiras na Venezuela já chega a US$ 20 bilhões, uma bolada e tanto.
Se é para apostar, Dilma vai privilegiar a relação país a país com a Venezuela, sem se enroscar ideologicamente e desnecessariamente com o peculiaríssimo Hugo Chávez. Ele que se vire, explique o relatório e se entenda com Santos. Quanto melhor se entenderem, aliás, melhor para todos.
(*) Jornalista e colunista da Folha de São Paulo desde 1997.
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