sábado, 7 de maio de 2011
Blog também é cultura
Estado do Tapajós, uma história feita em surtos
Manuel Dutra (*)
As ideias de criação do Estado do Tapajós vão e vêm como em surtos. Há momentos, como o atual, de grande efervescência. Em seguida, a história mostra que houve períodos de grande silêncio para, mais adiante, retornar à ordem do dia.
O texto que segue tenta mostrar esse vaivém. Mas sobretudo procura mostrar a quantos acusam o movimento de abrigar aspirações tão somente oportunistas, que a idéia do Estado do Tapajós acompanha a história de criação da Província e depois Estado do Amazonas e acompanha grande parte da história do Pará e da Amazônia.
Se oportunistas há, e com certeza há, onde não os há? Na Assembléia Legislativa do Pará? No Congresso da República? Melhor que os não houvesse em parte alguma...
Na primeira metade do século XIX, a Comarca do Baixo Amazonas tinha o mesmo status jurídico que as comarcas do Grão-Pará e do Alto Amazonas, quando da reforma do Código do Processo Criminal pela Regência, em 1832. Segundo Ferreira Reis, o juiz de Santarém funcionava como verdadeiro governador do Baixo Amazonas, num momento em que os poderes de um juiz iam além das atividades forenses.
Esse fato histórico está na raiz da longa aspiração por autonomia, com a criação de uma nova unidade entre o que são hoje o Pará e o Amazonas.
Em 1883, em Santarém, surgiu o primeiro movimento organizado com o objetivo de alcançar a autonomia. Foi fundada, naquele ano, uma sociedade literária que tinha em seu estatuto social um item pelo qual se dispunha a propugnar pela “separação do Baixo Amazonas da Província do Pará”, segundo se lê em Paulo Rodrigues dos Santos.
Como se percebe, as motivações do atual movimento emancipacionista são antiquíssimas. Embora as razões históricas não sejam as únicas, elas estão presentes e perpassaram as mentes de numerosas gerações.
A seguir, um trecho de um dos capítulos históricos de meu livro, publicado em 1999, com o título “O Pará Dividido – discurso e construção do Estado do Tapajós”. Uma obra que, para alguns defensores da autonomia, é contra a autonomia; e que, para os adversários, é a favor. Uns e outros não leram o que escrevi, com certeza.
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A história
Em 1849, o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, o Barão de Porto Seguro, elaborou o primeiro estudo de reordenamento territorial e político do Brasil, aparecendo o Pará como objeto de três subdivisões, sem mencionar o Tapajós.
Logo após desmembrar-se o Pará, com a criação da Província do Amazonas em 1850, permaneceram pendentes questões de limites entre as duas províncias. Como forma de evitar possíveis conflitos, surgiu a ideia de se criar uma terceira província, situada mais ou menos entre aquelas duas, englobando as comarcas de Óbidos, Parintins e Santarém, com a capital nesta última cidade. Em 1853 o assunto foi debatido no Parlamento. Segundo Arthur Reis, em 1869 “a idéia volta a ser admitida para conjurar as diferenças que estavam surgindo a propósito dos limites entre o Pará e o Amazonas”.
O militar Augusto Fausto de Souza, mais tarde integrante do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, propôs, em 1877, a divisão do Império em 40 províncias, aparecendo em sua proposta o Tapajós. Souza preocupava-se com a “desigualdade de território, de população e de recursos” que então identificava na divisão imperial, além da “desigualdade do número de seus representantes nas Câmaras Legislativas” e da “preponderância de umas províncias sobre as outras”, o que, na opinião do estudioso militar, “provoca ciúmes e rivalidades que retardam o progresso e podem até comprometer a integridade do Império”.
Propostas
Do meado do século passado até a promulgação da Constituição de 1988, são muitas as propostas de reorganização territorial. Na maioria dos estudos e projetos referentes à Amazônia encontra-se a região do Tapajós, como dotada de especificidades que a tornam uma freqüente candidata a unidade autônoma.
Já no século XX, o militar Segadas Viana propõe, em 1933, uma profunda divisão territorial da Amazônia. Entre as novas unidades aparecem as denominadas Tapajós e Óbidos, na região Oeste do Pará. Na década de 1940, outro militar, Juarez Távora, apresenta a sua sugestão, com o Pará dividido em três unidades, entre elas o Tapajós. Em 1960, Antônio Teixeira Guerra propõe a criação dos territórios federais de Monte Alegre, Trombetas e Alto Tapajós, zonas do Oeste do Pará, dentro de um conjunto de mudanças territoriais.
Em 1966, o historiador amazonense, Samuel Benchimol, sugere uma reformulação física da Amazônia, aparecendo em seu estudo os territórios federais do Baixo Amazonas, Tapajós e Trombetas. O autor acredita que, por meio desse ordenamento, serão solucionados problemas criados pelo que ele chama de “geografia voluntária”. Segundo Benchimol, “a ausência de uma estrutura social e organizacional para apoiar e servir de logística à população embarga o esforço produtivo, inibe a iniciativa privada, destrói os laços de solidariedade humana...”.
Espaço
No resumo dessas ideias percebe-se, por exemplo, na proposta de Benchimol, a preocupação em ordenar o espaço para o capital, onde a “população” seja disposta de tal forma que sua presença sirva ao “esforço produtivo” do empresariado. Os estudos promovidos por militares sugerem o controle do território, com o estabelecimento de algo como uma ordem territorial, pressuposto para que o Brasil alcance o progresso.
As idéias de autonomia, de origem interna ao que hoje se denomina Oeste do Pará, começaram a brotar com certa freqüência no século XX, com os registros demarcando a década de 1950 como o ponto de partida para o que viria tornar-se um movimento pela criação do Estado do Tapajós e a construção do conceito de Oeste do Pará.
Muito antes, porém, as pendências sobre limites entre o Pará e o Amazonas e as sugestões de nova divisão territorial do Brasil, surgidas na segunda metade do século XIX, resultaram em alguma sonorização interna, sobretudo em Santarém. Nessa cidade, em 1883, havia uma sociedade literária que tinha em seu estatuto social um item pelo qual se dispunha a propugnar pela “separação do Baixo Amazonas da Província do Pará”.
Proponentes
Nos anos 1950, o assunto aparece esporadicamente na imprensa, dependendo da projeção de seus proponentes. Nesse período, destaca-se a ação do então deputado estadual Elias Ribeiro Pinto, sugerindo a autonomia do Baixo Amazonas, na Assembléia Legislativa do Pará.
A ação política de Pinto, descendente de imigrantes nordestinos, mostrava-se como uma voz estranha aos integrantes dos grupos de poder tradicional, sobretudo de Santarém. Ele era, para essas elites, um arrivista que buscava espaço político-partidário utilizando a idéia de autonomia como biombo. Embora sem combater a idéia de criação de um território federal ou de um Estado, a imprensa ligada àqueles grupos combatia o projeto de Pinto.
Nos momentos que antecedem a inauguração do regime militar, na década de 1960, registram-se três propostas divisionistas, de autoria dos deputados paraenses Alfredo Gantuss, na Assembléia Legislativa, e dos deputados Burlamaqui de Miranda e Epílogo de Campos, na Câmara Federal. Era como se o tema da autonomia fosse penetrando lentamente no ideário local, antes de constituir-se o núcleo de um movimento regionalista.
As propostas de Campos, Gantuss e Miranda apresentavam os mesmos pressupostos, essencialmente iguais às sugestões elaboradas externamente, ou seja, o Pará era fisicamente grande demais e o poder central paraense muito distante do interior, que necessitava de um governo próximo para se desenvolver.
Silêncio
O regime militar declarou cinco municípios do Oeste do Pará como áreas de interesse da segurança nacional. Nesse período, registra-se como que um silêncio sobre a idéia separatista, talvez até pelo fato mesmo de a região ter sido particularmente visada pelos governos militares. Na década de 1970, com as elites embevecidas pelos projetos do Plano de Integração Nacional que, entre outras medidas, determinava a abertura das rodovias Transamazônica e Santarém-Cuiabá e a construção do porto de Santarém - obras que coincidiam com a construção de um novo aeroporto na cidade e um hotel de luxo conseguido com incentivos fiscais - novo ânimo passou a alimentar-lhes o anseio de que, por um ato discricionário, ditatorial, se repetisse no Baixo Amazonas o mesmo que ocorrera no Amapá, separado do Pará por ato de Getúlio Vargas na década de 1940. No entanto, o interesse da segurança nacional não coincidia com o interesse local.
A década de 1980, com o regime militar já dando sinais de seu final, registraria uma inusitada movimentação de grupos políticos, um período que seguramente mudou os rumos do tema da criação de um Estado com capital em Santarém. Naquele momento, ocorreu uma reunião de prefeitos de vários municípios do Baixo Amazonas, convocados pelo prefeito de Santarém, Ronan Liberal. Gestor nomeado pelo regime militar, Liberal parece ter interpretado o sentimento de frustração da década anterior, quando o Estado não foi criado por um decreto.
Naquela reunião, começou-se a dar ênfase a uma retórica segundo a qual a luta deveria partir de dentro para fora, e que o Estado do Baixo Amazonas, do Tapajós ou o território federal teria que se concretizar, mas como fruto de uma luta que partiria do interior da região.
Comitê
Aquela reunião de prefeitos marcou o início de um movimento autonomista que viria a tomar corpo em 1985, informalmente, quando foi criado o Comitê Pró-Criação do Estado do Tapajós. O nome cristalizou-se em Tapajós e a região começou a ser politicamente conceituada de Oeste do Pará, de vez que o Baixo Amazonas tradicional não englobava os novos núcleos criados ou que sofreram mudanças com a abertura das rodovias Transamazônica e Santarém-Cuiabá.
O Oeste passava a apresentar novas realidades sócio-econômicas e culturais, as cidades ribeirinhas diferiam dos núcleos afetados pela política de transportes rodoviários implantada em parte da região pelo governo federal e a imigração maciça exigia adaptações no campo político.
A década foi de relativa movimentação, começando também a chamar a atenção do poder central, em Belém. Os reflexos externos cresceram. Governadores do Pará começaram a se posicionar. Foi uma espécie de prenúncio do que aconteceria nos anos seguintes, sobretudo durante a realização da Assembléia Nacional Constituinte. Os ativistas do incipiente movimento autonomista começavam a sua busca de apoios externos.
Projeto
Durante a Constituinte, os deputados Paulo Roberto Matos, natural de Santarém; Gabriel Guerreiro, natural de Oriximiná; e Benedicto Monteiro, de Alenquer, apresentaram um projeto de criação do Estado do Tapajós, que esperavam ver incluído nas disposições transitórias da Constituição que seria promulgada em 1988.
O projeto foi derrotado na chamada Comissão de Sistematização e não foi ao plenário, porém obteve um volume de votos favoráveis que deixou animados os ativistas da autonomia. Após a promulgação da nova Constituição, foi criada a Comissão de Estudos Territoriais, composta de deputados e senadores, com o declarado objetivo de efetuar ampla revisão dos limites internos, sobretudo na Amazônia.
O relator daquela comissão foi o deputado Gabriel Guerreiro. De seu Relatório Final, publicado em janeiro de 1990, constavam cinco projetos de novas unidades na Amazônia, sendo o primeiro da lista o Tapajós. Todos esses projetos terminaram arquivados definitivamente na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Integração
O ano de 1991 é marcado pela institucionalização do Comitê, que adquire personalidade jurídica e declara, em seu estatuto, que sua finalidade é “promover a criação do Estado do Tapajós”. Daquele momento em diante, portanto, a idéia de autonomia passa a ser objeto de luta de uma organização da qual participam diferentes setores sociais. Para consegui-lo, o Comitê estatui que deverá ser promovida a “integração dos municípios de Itaituba, Faro, Juruti, Aveiro, Rurópolis, Oriximiná, Óbidos, Alenquer, Monte Alegre, Prainha, Almeirim e Santarém, que formarão a nova circunscrição estadual”.
Entre os objetivos do Comitê está a necessidade de “centrar esforços junto à classe política da região” e, também, “junto à classe política nacional para que se sensibilize com os problemas de nossa área”. A declaração resumia a disposição de a região assumir a luta a partir de dentro, reunindo suas próprias forças e buscando solidariedade externa.
Naquele ano, o embate parlamentar entrava em nova fase. O recém-eleito deputado federal Hilário Coimbra (PSDB, ex-PTB) desconheceu o projeto resultante da Comissão de Estudos Territoriais, do ano anterior, e apresentou, ele próprio, seu primeiro projeto de decreto legislativo prevendo a realização de plebiscito com vistas à criação do Estado do Tapajós.
"Partidarização"
A legalização do Comitê e o início da ação de Coimbra se dão quase simultaneamente, havendo entre ambos uma grande interação, que um pouco mais tarde viria a ser classificada, por outros políticos, como uma forma de “partidarização” do Comitê, resultando na cisão da entidade promotora da autonomia, da qual se afastaram alguns membros para fundarem a Frente Popular Pró-Emancipação do Estado do Tapajós.
.Outros momentos de destaque se verificaram no movimento. Em 1992, o Comitê reuniu, num mesmo documento intitulado Carta-exposição de motivos, o mais volumoso elenco de representantes de amplos setores, encaminhando a deputados e líderes partidários no Congresso Nacional um pedido de apoio para o momento da votação do plebiscito previsto no projeto de Coimbra. Em nenhum outro documento reuniram-se forças sociais em tal amplitude, autodenominadas “amazônidas-tapajônicos, nativos ou não”, que falam de um “ciclo trintenário de luta pela criação dessa unidade federativa”, embate que tem como fundamento “argumentos inúmeros e verdadeiros”, com “a potencialidade econômica da região” representando “o principal componente do elenco das nossas justificativas”, um elenco que é “plural e formidável”.
A Carta era assinada por 30 representantes de entidades patronais e de empregados, diretórios de partidos políticos, conselhos de profissionais liberais e pela Cúria Diocesana. Era como se a sociedade local mostrasse que estava mobilizada em torno da idéia de autonomia político-administrativa, num movimento suprapartidário e de ampla penetração social. O resultado prático e imediato, que seria a aprovação do plebiscito, não foi atingido.
Declarações
O I Encontro Emancipacionista de Itaituba pretendeu dar seqüência às declarações constantes da Carta-exposição de motivos, além de tentar deslocar, por um instante, a ação do movimento para fora da cidade de Santarém, mostrando assim que se tratava de algo encetado por grupos de todo o Oeste.
Precedido por um hino de mobilização popular, o encontro de Itaituba procurou ampliar os objetivos da Carta, traduzindo-se numa forma de amplo apelo interno e externo em torno do movimento, chegando a conclamar os eleitores da região a somente votarem em candidatos “comprometidos” com os ideais de autonomia. O apelo aparentemente deu resultados imediatos: na eleição parlamentar seguinte, o Oeste do Pará elegeu suas maiores bancadas na Assembléia Legislativa do Estado e na Câmara Federal.
No mesmo ano, a Frente Popular, dissidente do Comitê, conseguiu mais de 16 mil assinaturas com as quais encaminhou, por intermédio do senador Jarbas Passarinho, um projeto de emenda popular, pretendendo vê-lo aceito pelo chamado Congresso revisor. A revisão constitucional fracassou e o projeto, que se justificava pela necessidade de “afirmação nacional sobre estes territórios”, foi esquecido.
Retomada
Em 1995, o deputado Hilário Coimbra apresentou outros dois projetos na Câmara Federal: um acrescentando artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, criando o Estado do Tapajós, e, pouco depois, um projeto de lei complementar criando o Território Federal do Tapajós. A retomada da idéia de um Território é justificada por Coimbra como um primeiro passo para a transformação da região em Estado, medida adotada diante das dificuldades encontradas nos projetos anteriores.
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De 1995 até agora, a batalha dos que lutam pela autonomia prossegue, desta vez com a votação favorável à realização do plebiscito.
(*) Professor e morador em Belém
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