terça-feira, 26 de outubro de 2010

O endividamento da União e a disputa presidencial

Paulo Passarinho (*)

O primeiro turno das eleições presidenciais já se encerrou e nos encontramos em plena disputa do segundo turno, mais uma vez envolvendo os candidatos do PT e do PSDB.
Em 1994 e em 1998, esta disputa também se deu, porém FHC - o candidato dos tucanos à época - acabou por vencer as eleições já no primeiro turno. Em 2002 e em 2006, a decisão apenas se deu no segundo turno.

Há dezesseis anos, portanto, a polarização entre PSDB e PT marca a disputa da eleição mais importante do país.
Contudo, ao contrário do que um eleitor mais desavisado poderia supor, a discussão sobre a realidade econômica e as políticas a serem adotadas pelos candidatos, caso sejam eleitos, continuam a ser escamoteadas.

Em 1994, em meio à euforia do lançamento do Real, a plataforma agressiva das privatizações do PSDB não foi antecipada por FHC, assim como em 1998, no direito a uma reeleição comprada por meio de uma emenda constitucional, o mesmo FHC não deu ciência ao país do acordo em curso com o FMI, provocado pela situação falimentar em que se encontrava o Brasil.
Em 2002, tivemos mais conhecimento da crise que vivíamos, por força de um novo acordo celebrado com o mesmo FMI, e do compromisso, que todos os candidatos acabaram por assumir, em respeitar as exigências que nos eram impostas. O que Lula, o vencedor daquela eleição, não divulgou foi a sua intenção em ser mais realista do que o rei. Já como presidente, sua primeira medida foi aumentar a meta do superávit primário estabelecida inicialmente com o FMI, de 3,75%, para 4,25% do PIB.

Em 2006, forçado a uma disputa com o reacionário Geraldo Alckmin, Lula usou e abusou da pertinente acusação de privatista contra o seu adversário. O que o mesmo Lula não esclareceu ao eleitorado foi a sua intenção, materializada logo no início do seu segundo mandato, em privatizar o trecho da BR-101, ligando o Rio de Janeiro à cidade de Campos, no norte fluminense.
Esses exemplos mostram muito bem como os candidatos de confiança do sistema financeiro - sistema que parece ser uma espécie de fiel da balança dos políticos de sucesso - agem em relação ao eleitorado.


Agora, em 2010, há um silêncio sepulcral, dos ungidos pelas generosas verbas de campanha, em relação ao grave problema do endividamento da União.
Ao contrário, o candidato tucano - apesar de toda a grita de economistas ligados ao seu PSDB contra a "explosão dos gastos correntes" no governo Lula - promete um salário mínimo de R$ 600,00, reajuste de 10% nas pensões e aposentadorias do INSS e 13º "salário" para o Bolsa Família!!

Demagogias ou falsas promessas à parte, o problema é que temos de fato um sério desafio pela frente. Plínio de Arruda, do PSOL, no primeiro turno das eleições, com toda razão apontou a necessidade de uma séria auditoria da dívida pública do país, conforme uma das conclusões da CPI da Dívida Pública, realizada pela Câmara Federal.
E o problema não é a tal explosão dos gastos correntes, genericamente denunciada pelos economistas liberais, em geral mirando novas mudanças nas regras da previdência.

Desde o lançamento do Plano Real, em julho de 1994, a evolução da dívida em títulos da União é espetacular. E esta é a principal dívida financeira que temos de enfrentar. Em dezembro daquele ano, essa chamada dívida mobiliária da União era de R$ 59,4 bilhões de reais. Ao final do ano seguinte, primeiro ano do mandato de FHC, essa dívida chegava a R$ 84,6 bilhões, com um crescimento nominal em relação a dezembro de 1994 de 42%(!!), correspondendo a 12% do PIB. Para quem possa se espantar com essa evolução, lembro que FHC chega ao final do seu primeiro mandato, em dezembro de 1998, com essa dívida já em R$ 343,82 bilhões, correspondentes a 35,11% do PIB.
As razões desse explosivo crescimento da dívida pública em títulos são decorrentes essencialmente da própria forma de funcionamento da economia, pós-lançamento do Real. A integração financeira do Brasil com os mercados financeiros do mundo, com a livre movimentação de capitais, subordina a política monetária aos humores dos investidores e especuladores internacionais.

De 1994 a 1998, a idéia de um Real "forte" (um real = um dólar) exigia acúmulo de reservas em dólar, de modo a se garantir a equivalência da nova moeda nacional com a moeda dos Estados Unidos. Os juros extremamente elevados e o programa de privatizações de empresas estatais garantiram uma enxurrada de dólares para o país. Entretanto, na medida em que esses dólares são transformados em reais, levando a uma expansão do volume de reais em circulação na economia, o Banco Central entra no mercado vendendo títulos públicos, com o objetivo de retirar o chamado excesso de moeda em circulação.
Houve, nesse período também, a maior parte das renegociações das dívidas de estados e municípios com o governo central, federalizando-se essas dívidas, o que ajudou o crescimento da dívida em títulos da União. Porém, o fator mais importante foi a necessidade do acúmulo de reservas, com base em taxas de juros reais elevadas.

A partir de 1999, com a mudança do regime cambial (até então, relativamente fixo) para o chamado câmbio flutuante, o papel das altas taxas de juros - que continuam a vigorar - passa a ser justificado como instrumento vital para se conseguir manter a inflação projetada para cada ano, dentro das metas definidas pela política monetária. A política econômica passa a ser guiada de acordo com o que recomenda o FMI.
Isso não impede que o país vá novamente recorrer ao FMI, em 2002, e FHC entrega o governo a Lula com a dívida em títulos alcançando o montante de R$ 687,30, correspondentes a 46,51% do PIB. É interessante notar que durante esse período, que se inicia em 1999, o governo federal passa a ter de cumprir metas de superávit primário, nunca inferiores a 3% do PIB. Mesmo assim, nota-se que, sempre em função das altas taxas reais de juros vigentes, a dívida continua em trajetória ascendente.

É a essa política que Lula deu continuidade. E é por isso que hoje temos uma dívida em títulos que supera a cifra de R$ 2,2 trilhões, mais de 70% do PIB do país, com uma carga líquida anual de juros sempre superior a R$ 150 bilhões. Ou seja: além de o montante dessa dívida continuar a subir de forma astronômica, há um comprometimento crescente da maior parte do orçamento público da União com o pagamento de juros e amortizações. No exercício de 2009, por exemplo, 36% desse orçamento foram gastos com essa finalidade. Ao mesmo tempo, áreas consideradas estratégicas, como a saúde ou a educação, foram contempladas, respectivamente, com menos de 5% e de 3% desse mesmo orçamento.
Essa é a realidade que Dilma e Serra não querem debater. Mas, essa é uma questão que não deixará de ser enfrentada no próximo governo. Até porque, por força da valorização do Real – decorrente da permanente pressão produzida pelos dólares que entram no país – voltamos a ter déficits em nossas transações com o exterior, o que nos torna ainda mais vulneráveis à necessidade de financiamento em dólares.

A dívida externa, por sua vez, apesar de todas as falsas informações veiculadas, muitas vezes pelo próprio Lula, continua a existir e de forma robusta: hoje já ultrapassa a US$ 300 bilhões. Com reservas internacionais de US$ 280 bilhões, para muitos isso não seria um grande problema. Contudo, frente a qualquer reversão do quadro internacional para uma nova onda de fortes instabilidades nos mercados financeiros, não há dúvidas sobre o preço que pagaremos.
Já se observam fortes pressões para uma nova rodada de mudanças nas regras da Previdência Pública. Trata-se, a rigor, da última variável importante para os liberais, na busca de fontes para novos cortes orçamentários, com o objetivo de se tentar segurar um modelo econômico que tem de ser superado.

Fora outrora, o PT seria um aliado nessa luta.
Hoje, frente ao transformismo desse partido, sua candidata à eleição presidencial é apenas mais uma protagonista da tentativa de se esconder do povo brasileiro a gravidade dessa situação.

(*) Economista e conselheiro do CORECON-RJ

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