quinta-feira, 21 de outubro de 2010

De tempos em tempos

Bellini Tavares de Lima Neto (*)

Lá pelos idos dos anos sessenta o governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, resolveu colocar em prática uma experiência revolucionária. Escolheu uma favela e a transformou num verdadeiro centro urbano. E, lugar de barracos de madeira, apartamentos. Em lugar da decantada e poética "lata d'água na cabeça", encanamento com torneiras. Em lugar do "matinho", vasos sanitários. E em lugar de "buraco quente" ou coisa parecida, batizou o lugar de Vila Kennedy. E, certamente, todos vocês conhecem o resultado. Em pouco espaço de tempo os moradores depredaram tudo, venderam os metais e vasos sanitários e tudo voltou a ser o mesmo "buraco quente" a que eles estavam acostumados.

Isso não é novidade para ninguém. Em campanha eleitoral contra George Bush (o pai) um dos publicitários de Clinton criou uma frase que se tornou famosa para explicar como derrotar a popularidade patriótica do inventor da Guerra do Golfo: “é a economia, estúpido”. Que fator importante poderia servir para derrotar o pai daquele outro esquisito que acabou governando o país anos depois. Embora em outro contexto, a deterioração da Vila Kennedy poderia ser explicada com uma outra frase: ”é a educação, estúpido”. Lá, a frase do publicitário de Clinton tinha como propósito vencer as eleições. De certa forma, se alguém desse vida a uma frase verde-amarelo do tipo “é a educação, estúpido”, ela também poderia ser considerada uma estratégia para vencer eleições e conservar o poder. Os favelados da Vila Kennedy só fizeram voltar às suas origens. Afinal, é comum se dizer que o sujeito até pode sair da favela, mas a favela não sai de dentro dele. Para os americanos, importante era que vencesse o candidato que se preocupasse com a economia interna. Por aqui os detentores do poder sabem que, para se evitar riscos, o melhor é desprestigiar a educação e manter a população na dependência de uma economia de migalhas, esmoler.

Onde não há educação não há reflexão e onde não há reflexão não há princípios. E onde não há princípios, prevalece a regra da sobrevivência a qualquer custo. E da sobrevivência a qualquer custo para o império indecente do “se dar bem”, “levar vantagem” e similares, é um pulo. Estamos ou não estamos diante do cenário pátrio? Por acaso a grande maioria se incomoda com o desrespeito às regras e à lei? Por acaso a grande massa se constrange em lançar mão de recursos desonestos para usufruir alguma vantagem, ainda que sejam uns míseros minutos num percurso de estrada trafegando pelo acostamento? Se se juntar a isso tudo uma falsa sensação de progresso econômico, mesmo que sejam uns míseros vinténs recebidos de mão beijada de um bando de falsos profetas, temos a receita perfeita para o sucesso da cambada que se encastelou no poder.

Europeus sofreram guerras, pestes, cataclismas para aprenderem a se respeitar e a respeitar princípios. Em menor escala, norte-americanos também tiveram suas mazelas. Asiáticos não são exceção. Latino-americanos sempre estiveram a salvo disso tudo. Será que o que falta é sofrimento dessa ordem? Não sei. O que se percebe, cada vez mais claramente, é que o Brasil continua igual ao que sempre foi: um país totalmente infenso a padrões éticos a regras de comportamento, ao respeito ao império da lei. E, por conta disso, não se peja em trocar tudo isso por qualquer “dez reis de mel coado” como se dizia antigamente. Nos dias atuais, seja a banda pobre que vive essa euforia de receber suas quirelas no final do mês sem o menor esforço, seja a banda rica que nunca antes neste país juntou tantos lucros ou os remeteu sob a forma de dividendos para o exterior, porque mudar? E como mudar? Quem vai convencer uma dessas almas penadas que a médio e longo prazo é muito melhor se preparar e vencer as barreiras da esmola conseguindo as coisas com méritos e esforço próprios? Só com educação e isso leva muito tempo, se é que vai começar um dia. Quem vai fazer um desses vendilhões do templo reconhecer que ganhar dinheiro de modo honesto e sem falcatruas levaria a uma sociedade em que não seria preciso gastar, depois, tanto dinheiro com guarda-costas e seguranças, condomínios fechados e blindagem de automóvel?

Talvez tudo não passe de um processo. Sim, um processo pelo qual esta terrinha enorme e imatura, tenha que viver, sofrer, aprender e um dia superar. Quem sabe, então, seja possível galgar a posição de país, de sociedade digna de respeito e, então, não mais se repita, a cada 20 ou 30 anos, uma nova edição de modelos vetustos e obsoletos como Getulio Vargas. Por enquanto, nos resta ver brotar ervas daninhas como essas que suportamos há anos e que, ao que tudo indica, estão sendo copiosamente adubadas para se manter por anos a fio. Tomara que eu esteja muito errado.

(*) Advogado , avô recente e morador em S. Bernardo do Campo (SPO). Escreve para o site O Dia Nosso De Cada Dia - http: blcon.wordpress.com

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