Cotas raciais aqui e no Mississipi. Farinhas do mesmo saco
Rui Daher (*)
Ontem assisti a um documentário, produzido pela HBO e dirigido pelo canadense Paul Saltzman, que trata dos gargalos que ainda existem no processo de integração racial nos EUA.
A história de “Baile de Formatura no Mississipi” se passa em Charleston, cidade de 3.000 habitantes, 35% da população abaixo da linha de pobreza e arraigados hábitos segregacionistas. Apesar de estabelecido em lei de 1954, somente a partir de 1970 brancos e negros passaram a frequentar as mesmas salas de aula da cidade. Uma proibição, no entanto, persistiu. Mesmo representando 70% dos alunos, aos negros não era permitido participarem do mesmo baile de formatura. Cada um no seu funk.
Foi quando entrou no salão o ator Morgan Freeman, morador da cidade e pouco econômico em bons comportamentos políticos. Ofereceu bancar a festa de formatura, desde que integrada. A primeira tentativa, em 1997, foi recusada; a segunda, em 2008, deu certo. É o que mostra o documentário.
Resistências familiares, depoimentos dos jovens, preparativos, a festa em si. Vale a pena ver. A certa altura, uma jovem negra lamenta ter tirado as notas mais altas e, ainda assim, ter sido preterida como oradora da turma em favor de uma aluna branca.
É impossível não referenciar os aspectos sociais e depoimentos do filme à atual discussão sobre cotas educacionais no Brasil. Qualquer processo segregacionista, sequela de longos anos de escravidão, mostra pesada carga de crueldade. Pode-se, no entanto, dizer que o Irmão do Norte carregou muito mais nas tintas do que o Brasil.
Lembrando que, no caso de Charleston, apesar de condições sociais díspares, brancos e negros estudavam na mesma escola e recebiam a mesma qualidade de ensino.
No Brasil, diferente dos EUA, trata-se de corrigir a degradação a que se levou o ensino básico nas três esferas de governo, enquanto se mantinha a qualidade do ensino público nas universidades. Isto, num país em que a distribuição de renda é uma das piores do mundo traz excrescências profundas, sobretudo, se o aspecto racial entra em cena. Uma quase logística reversa.
As classes de alto poder aquisitivo, durante a formação educacional de base pagam e recebem do bom e melhor, e habilitam-se ao bom e melhor das universidades públicas gratuitas. Os pobres, que não pagam e não recebem ensino qualificado na base, habilitam-se ao caro e precário ensino da maioria das universidades privadas. Daí as tentativas de reparar a injustiça através da política de cotas raciais e, agora, reservar parte das vagas a quem frequentou o ensino público.
Diferente, mas semelhante, à formatura em Charleston, Mississipi. Tanto lá como aqui, procura-se acertar o ponto de um bolo em que se errou na quantidade dos leite, ovos e farinha.
Nunca é tarde, certo? É. Nunca.
(*) Administrador de Empresas,Consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola e Produtor Rural
Rui Daher (*)
Ontem assisti a um documentário, produzido pela HBO e dirigido pelo canadense Paul Saltzman, que trata dos gargalos que ainda existem no processo de integração racial nos EUA.
A história de “Baile de Formatura no Mississipi” se passa em Charleston, cidade de 3.000 habitantes, 35% da população abaixo da linha de pobreza e arraigados hábitos segregacionistas. Apesar de estabelecido em lei de 1954, somente a partir de 1970 brancos e negros passaram a frequentar as mesmas salas de aula da cidade. Uma proibição, no entanto, persistiu. Mesmo representando 70% dos alunos, aos negros não era permitido participarem do mesmo baile de formatura. Cada um no seu funk.
Foi quando entrou no salão o ator Morgan Freeman, morador da cidade e pouco econômico em bons comportamentos políticos. Ofereceu bancar a festa de formatura, desde que integrada. A primeira tentativa, em 1997, foi recusada; a segunda, em 2008, deu certo. É o que mostra o documentário.
Resistências familiares, depoimentos dos jovens, preparativos, a festa em si. Vale a pena ver. A certa altura, uma jovem negra lamenta ter tirado as notas mais altas e, ainda assim, ter sido preterida como oradora da turma em favor de uma aluna branca.
É impossível não referenciar os aspectos sociais e depoimentos do filme à atual discussão sobre cotas educacionais no Brasil. Qualquer processo segregacionista, sequela de longos anos de escravidão, mostra pesada carga de crueldade. Pode-se, no entanto, dizer que o Irmão do Norte carregou muito mais nas tintas do que o Brasil.
Lembrando que, no caso de Charleston, apesar de condições sociais díspares, brancos e negros estudavam na mesma escola e recebiam a mesma qualidade de ensino.
No Brasil, diferente dos EUA, trata-se de corrigir a degradação a que se levou o ensino básico nas três esferas de governo, enquanto se mantinha a qualidade do ensino público nas universidades. Isto, num país em que a distribuição de renda é uma das piores do mundo traz excrescências profundas, sobretudo, se o aspecto racial entra em cena. Uma quase logística reversa.
As classes de alto poder aquisitivo, durante a formação educacional de base pagam e recebem do bom e melhor, e habilitam-se ao bom e melhor das universidades públicas gratuitas. Os pobres, que não pagam e não recebem ensino qualificado na base, habilitam-se ao caro e precário ensino da maioria das universidades privadas. Daí as tentativas de reparar a injustiça através da política de cotas raciais e, agora, reservar parte das vagas a quem frequentou o ensino público.
Diferente, mas semelhante, à formatura em Charleston, Mississipi. Tanto lá como aqui, procura-se acertar o ponto de um bolo em que se errou na quantidade dos leite, ovos e farinha.
Nunca é tarde, certo? É. Nunca.
(*) Administrador de Empresas,Consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola e Produtor Rural
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