Opinião do Estadão
Brasília é o habitat natural da elite da chamada classe política, representada pelos nobres parlamentares federais. Vivem ali muitos desses ilustres representantes do povo - pelo jeito, a maioria - numa espécie de mundo da fantasia que construíram para seu deleite, apartado da realidade cotidiana e frequentemente conflitante com o bem e o senso comuns. Vivem indiferentes ao fato de, do outro lado da Praça dos Três Poderes, o Judiciário dar inequívocas demonstrações de que o País está perdendo - se já não perdeu - a paciência com o comportamento ominoso e ultrajante dos maus homens públicos que se julgam no direito de inventar uma nova "ética" no trato da coisa pública. E cometem, sem o menor pudor, nova e escandalosa afronta à probidade, jogando a conta do abuso no colo do contribuinte.
Em resumo: a Mesa do Senado, presidida por José Sarney, decidiu que um calote no Fisco, calculado em R$ 11 milhões, aplicado pelos 84 senadores nos últimos cinco anos, será finalmente pago, mas com dinheiro público. O que, para começar, contraria o princípio de que a União (Fisco) não pode cobrar da própria União (Senado Federal).
A história pouco fica a dever, em descaramento, à do malfadado mensalão em julgamento pelo STF. A diferença estaria nas tecnicalidades da tipificação penal do desvio de recursos públicos para conchavos políticos e da canalização desses recursos diretamente para o bolso dos senadores. De acordo com cálculos feitos pelo jornal Correio Braziliense, que denunciou o golpe em março, cada senador da República embolsou com o calote cerca de R$ 13 mil por ano. Desde 2007, portanto, beneficiam-se indevidamente da nada desprezível poupança de cerca de R$ 65 mil cada um.
O Imposto de Renda (IR) devido pelos senadores refere-se aos chamados 14.º e 15.º salários a que faziam jus até o fim do ano passado, pagos a título de "verba indenizatória". E era exatamente pelo fato de alegadamente se enquadrar nessa categoria que a administração do Senado considerava essa verba "não tributável" e, por isso, nunca fez o desconto de IR na folha de pagamento dos senadores. E tudo continuaria assim, se a imprensa não cumprisse seu papel de fiscalizar a administração pública. Quando o jornal denunciou a escandalosa irregularidade, a Mesa do Senado, em nota oficial, alegou que os tais rendimentos adicionais não eram tributáveis "por terem caráter indenizatório". Mas esse argumento foi prontamente contestado pelo Fisco. Acuado, em maio o Senado desengavetou e aprovou um projeto acabando com a mamata, encaminhando-o à Câmara dos Deputados, onde dorme placidamente. No início de agosto, a Receita enviou intimações a cada um dos senadores, cobrando o que considera devido.
Os parlamentares, é claro, se revoltaram com a cobrança, alegando que os pagamentos não foram feitos devido a "erro administrativo" da Casa, que não procedeu aos descontos devidos. E passaram a pressionar a Mesa. Apesar de o senador José Sarney, na condição de presidente, ter dito a jornalistas que os senadores deveriam se entender individualmente com a Receita, na última terça-feira o vice-presidente Aníbal Diniz (PT-AC) anunciou que, por decisão da Mesa, o Senado vai pagar o que é devido pelos parlamentares.
Diniz não fez segredo da razão pela qual a decisão foi tomada: "Na medida em que a ajuda de custo foi abolida, o Senado se acusou e a Receita começou a exigir o pagamento. Então, os senadores pressionaram a Mesa para não serem punidos". E acrescentou: "Ficou uma dúvida, mas não foi culpa dos senadores. A Mesa adota a posição de fazer o ressarcimento devido. A Casa reconhece que, se houve falha, ela própria vai fazer o pagamento".
Se houve ou não falha da administração do Senado é uma questão agora irrelevante. O IR é devido pelas pessoas físicas dos senadores, que se beneficiaram do não recolhimento dos valores devidos. Cabia a eles declarar os seus rendimentos e, sobre eles, pagar o imposto devido. A direção da Casa anunciou que ainda vai calcular exatamente o que seria devido ao Fisco e que vai recorrer à Justiça. Ou seja, pendurará a despesa na conta do contribuinte. Certamente, não é o mesmo vento que sopra em todos os cantos da Praça dos Três Poderes.
Brasília é o habitat natural da elite da chamada classe política, representada pelos nobres parlamentares federais. Vivem ali muitos desses ilustres representantes do povo - pelo jeito, a maioria - numa espécie de mundo da fantasia que construíram para seu deleite, apartado da realidade cotidiana e frequentemente conflitante com o bem e o senso comuns. Vivem indiferentes ao fato de, do outro lado da Praça dos Três Poderes, o Judiciário dar inequívocas demonstrações de que o País está perdendo - se já não perdeu - a paciência com o comportamento ominoso e ultrajante dos maus homens públicos que se julgam no direito de inventar uma nova "ética" no trato da coisa pública. E cometem, sem o menor pudor, nova e escandalosa afronta à probidade, jogando a conta do abuso no colo do contribuinte.
Em resumo: a Mesa do Senado, presidida por José Sarney, decidiu que um calote no Fisco, calculado em R$ 11 milhões, aplicado pelos 84 senadores nos últimos cinco anos, será finalmente pago, mas com dinheiro público. O que, para começar, contraria o princípio de que a União (Fisco) não pode cobrar da própria União (Senado Federal).
A história pouco fica a dever, em descaramento, à do malfadado mensalão em julgamento pelo STF. A diferença estaria nas tecnicalidades da tipificação penal do desvio de recursos públicos para conchavos políticos e da canalização desses recursos diretamente para o bolso dos senadores. De acordo com cálculos feitos pelo jornal Correio Braziliense, que denunciou o golpe em março, cada senador da República embolsou com o calote cerca de R$ 13 mil por ano. Desde 2007, portanto, beneficiam-se indevidamente da nada desprezível poupança de cerca de R$ 65 mil cada um.
O Imposto de Renda (IR) devido pelos senadores refere-se aos chamados 14.º e 15.º salários a que faziam jus até o fim do ano passado, pagos a título de "verba indenizatória". E era exatamente pelo fato de alegadamente se enquadrar nessa categoria que a administração do Senado considerava essa verba "não tributável" e, por isso, nunca fez o desconto de IR na folha de pagamento dos senadores. E tudo continuaria assim, se a imprensa não cumprisse seu papel de fiscalizar a administração pública. Quando o jornal denunciou a escandalosa irregularidade, a Mesa do Senado, em nota oficial, alegou que os tais rendimentos adicionais não eram tributáveis "por terem caráter indenizatório". Mas esse argumento foi prontamente contestado pelo Fisco. Acuado, em maio o Senado desengavetou e aprovou um projeto acabando com a mamata, encaminhando-o à Câmara dos Deputados, onde dorme placidamente. No início de agosto, a Receita enviou intimações a cada um dos senadores, cobrando o que considera devido.
Os parlamentares, é claro, se revoltaram com a cobrança, alegando que os pagamentos não foram feitos devido a "erro administrativo" da Casa, que não procedeu aos descontos devidos. E passaram a pressionar a Mesa. Apesar de o senador José Sarney, na condição de presidente, ter dito a jornalistas que os senadores deveriam se entender individualmente com a Receita, na última terça-feira o vice-presidente Aníbal Diniz (PT-AC) anunciou que, por decisão da Mesa, o Senado vai pagar o que é devido pelos parlamentares.
Diniz não fez segredo da razão pela qual a decisão foi tomada: "Na medida em que a ajuda de custo foi abolida, o Senado se acusou e a Receita começou a exigir o pagamento. Então, os senadores pressionaram a Mesa para não serem punidos". E acrescentou: "Ficou uma dúvida, mas não foi culpa dos senadores. A Mesa adota a posição de fazer o ressarcimento devido. A Casa reconhece que, se houve falha, ela própria vai fazer o pagamento".
Se houve ou não falha da administração do Senado é uma questão agora irrelevante. O IR é devido pelas pessoas físicas dos senadores, que se beneficiaram do não recolhimento dos valores devidos. Cabia a eles declarar os seus rendimentos e, sobre eles, pagar o imposto devido. A direção da Casa anunciou que ainda vai calcular exatamente o que seria devido ao Fisco e que vai recorrer à Justiça. Ou seja, pendurará a despesa na conta do contribuinte. Certamente, não é o mesmo vento que sopra em todos os cantos da Praça dos Três Poderes.
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