Luiza Nagib Eluf (*) para O Estado de S. Paulo
O último censo do IBGE mostrou que as mulheres têm, em média, mais dois anos de educação que os homens. Mas, em que pese esse diferencial positivo, os salários pagos às mulheres ainda são, em média, 30% menores que os dos homens, na mesma função. Outra constatação intrigante é a de que, quanto maior o nível educacional, maior a diferença entre os rendimentos masculinos e femininos.
Sabemos que o patriarcalismo se sustenta na pobreza da mulher. A ideia é que as mulheres não tenham dinheiro nem poder, precisem vender seu corpo para se sustentar, seja pela prostituição ou pelo casamento. Além disso, essa pesquisa mostrou que não basta ter mais educação formal para que a violência doméstica diminua. A correlação de forças entre os gêneros continua desigual e as mulheres permanecem sofrendo discriminações, tanto no espaço público quanto no privado.
O Brasil já tomou várias medidas para promover a igualdade de gênero. Começou pela Constituição federal, que estabelece direitos iguais, reconhece a união estável, cria a licença-paternidade, equipara os direitos dos filhos independentemente da situação dos pais. Vieram, também, as Delegacias de Defesa da Mulher, o crime de assédio sexual, a Lei Maria da Penha, as Varas de Violência Doméstica. Entendemos que a opressão feminina é milenar e não será banida do dia para a noite, mas com as possibilidades que temos hoje é de espantar que a maioria das mulheres ainda esteja em tamanha desvantagem. Em outras palavras, a marcha para uma vida melhor está devagar demais.
A dominação masculina transformou o mundo num lugar hostil às mulheres. Nos mínimos detalhes, as atividades profissionais remuneradas são organizadas para causar desconforto à mulher. Os ambientes são rígidos, os banheiros são sujos, o relacionamento com os outros é impessoal, os termos linguísticos são rudes, a nomenclatura dos cargos de comando está no masculino, as roupas são controladas e criticadas, isso tudo sem falar do assédio sexual ou moral, de forma que as mulheres sintam medo de ser mulheres. Assim, diante de tantas dificuldades, muitas desistem antes de tentar, outras alcançam uma posição razoável e se conformam; apenas algumas poucas ousam lutar para chegar o mais alto possível. É difícil resistir à tentação de se acomodar, de aceitar a subalternidade ou dedicar-se apenas ao marido e aos filhos.
Sim, gostamos de ser mães, de cuidar da casa e dos outros, mas isso não engloba todos os nossos anseios. Precisamos também de independência financeira, sexual e profissional, de respeito, de dignidade e de reconhecimento social. Para escapar da violência e mudar a correlação de forças temos de estar no poder. Mesmo que esse poder, instalado por homens para o bem dos homens, não seja o nosso ideal de vida. Ainda que pareça difícil suportar as contrariedades do ambiente hostil, não será possível evitar esta etapa evolutiva: ocupar os espaços para depois fazer as transformações. Enquanto as mulheres não tiverem a clareza de que é preciso querer mais, ambicionar o máximo e não se contentar com o mínimo, os bons níveis de escolaridade não serão suficientes para vencer a imposição de inferioridade.
Por outro lado, não podemos prescindir da colaboração dos homens nessa árdua jornada. E eles precisam começar modificando a forma como encaram as relações afetivas. Sobre esse tema, David Servan-Schreiber, médico francês que escreveu dois livros para contar sua luta contra o câncer, sintetizou o assunto na obra Podemos Dizer Adeus Duas Vezes. Depois de muita meditação e durante os momentos finais em que passou a rever sua vida, reconheceu que não soube amar as mulheres como gostaria de ter amado. Em suas palavras: "Quando eu era muito jovem, tinha a cabeça cheia de ideias imbecis sobre o assunto. Para mim, amor era coisa que o homem impunha à mulher, pois ela era por essência recalcitrante. O único modo de agir era subjugá-la. Uma história de amor era em primeiro lugar uma história de conquista, depois uma história de ocupação. Pura relação de força, na qual o homem tinha interesse em se manter na posição dominante. Nem pensar em deixar-se levar, mesmo depois de ela se render. Como a dominação era ilegítima, ele devia vigiar constantemente sua conquista, devia mantê-la sob sua influência, se quisesse evitar que ela se rebelasse. Impossível imaginar uma relação harmoniosa, uma relação baseada na troca ou numa igualdade qualquer dos parceiros. Ainda me pergunto de onde me vinham aquelas ideias idiotas que deterioraram minhas histórias de amor até por volta dos meus 30 anos. Eu me esforçava por me comportar como potência ocupante. Minha busca amorosa se resumia à procura de um território para conquistar. Resultado: eu amava, às vezes loucamente, mas não era amado. Ou mesmo quando o era, não me autorizava a me sentir amado. Porque, nesse caso, precisaria depor as armas. Que tristeza ter perdido tanto tempo e tantas oportunidades de felicidade! Por fim, acabei me desvencilhando daquelas ideias grotescas, dei um salto quântico que me projetou anos-luz, num universo encantado em que as mulheres são dotadas de inteligência e conseguem compartilhar comigo uma infinidade de interesses comuns. Finalmente, fui capaz de viver verdadeiras histórias de amor, com mulheres que eram iguais a mim, humana e intelectualmente. Consegui abandonar o frustrante papel de tutor. Aprendi que há muito mais prazer em dar e receber do que em dominar ou impor-se pela sedução".
Talvez seja isso que nossas escolas tenham de ensinar para que os níveis de instrução formal possam fazer alguma diferença.
(*) Procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, desde 1983, Escritora, Professora
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