sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A CPMF não voltará

Opinião do Estadão

A presidente Dilma Rousseff obteve na quarta-feira uma vitória marcante no Senado. O País também. Foram duas vitórias, aliás. Por 65 votos a 4, a Casa eliminou a possibilidade da criação de um imposto, alegadamente para financiar o sistema de saúde. E por 70 a 1 caiu a tentativa de obrigar a União a destinar ao setor pelo menos 10% do Orçamento federal. Foi o desfecho positivo de uma história que se arrastava no Congresso há uma eternidade - a regulamentação da Emenda Constitucional número 29, que trata dos gastos e responsabilidades dos entes federativos com a saúde pública.

O projeto original que desembocou na votação de anteontem, de autoria do então senador petista Tião Viana, atual governador do Acre, continha a ideia equivocada de fixar o mencionado piso de 10% da arrecadação bruta federal. E o à época presidente Lula nunca desistiu de recriar a famigerada CPMF - abatida também pelo Senado em dezembro de 2007 -, sob a forma de um novo tributo, a Contribuição Social da Saúde (CSS). Quando a matéria passou pela Câmara, a primeira proposição foi derrotada, mas a segunda ficou como uma assombração, porque o texto não estipulou qual seria a base para o cálculo da CPMF com outro nome.

Em relação ao patamar de gastos, os deputados mantiveram o padrão segundo o qual o repasse mínimo dos municípios é de 15% da arrecadação, o dos Estados é de 12%, enquanto a União deve alocar o montante do exercício anterior, corrigido pela variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos atrás - a mesma regra de reajuste do salário mínimo. Por esse critério, a parcela da arrecadação destinada à saúde em 2012 chegará a 7,5%, ante os atuais 6,8%. Com descarado oportunismo, os senadores da oposição falavam em restaurar a obrigatoriedade de 10%, pouco se lhes dando as suas implicações negativas.

Em primeiro lugar, o acréscimo de R$ 35 bilhões no Orçamento da saúde para 2012 se daria numa conjuntura em que a ordem da presidente é cortar gastos para fortalecer a blindagem do País contra os efeitos da crise internacional. Segundo, a vinculação enrijeceria ainda mais o engessamento dos dispêndios federais, que já atingem níveis aberrantes. Com o que tem de desembolsar necessariamente com pessoal, Previdência e o serviço da dívida, mais as transferências constitucionais intocáveis e o custeio também mandatório da folha dos Territórios promovidos a Estados e da segurança pública no Distrito Federal, sobra muito pouco para ser remanejado. Daí a importância crucial, para o governo, da Desvinculação das Receitas da União (DRU).

A presidente temia que uma aliança profana entre a oposição e setores da base do Planalto no Senado aprovasse os 10%. Tanto que manobrou meses a fio para adiar a apreciação da matéria, até se persuadir de que seria politicamente mais indicado encarar o desafio - com as devidas precauções, naturalmente. Verbas foram liberadas (algo como R$ 13 bilhões), nomeações foram prometidas ao PR (para os cargos deixados vagos no Ministério do Transporte desde a queda do ministro perrista Alfredo Nascimento) e a discussão de um controvertido projeto de resolução sobre o ICMS em operações com produtos importados foi adiada. A história de sempre, em suma.

Quanto à CSS, bem que o relator do projeto, o líder petista Humberto Costa, tentou manter a brecha aberta na Câmara. Mas a duvidosa garantia da inexistência da base de cálculo, um verdadeiro cavalo de Troia, foi descartada pelos senadores da base aliada, a começar da bancada do PMDB - e a CSS foi enterrada. De mais a mais, o senador Francisco Dornelles, do PP fluminense, havia alertado para uma questão de fundo: impostos devem ser criados por mudanças constitucionais, não mediante projetos de lei complementar, como o da regulamentação da emenda 29. É bom lembrar ainda que o governo não precisou espremer o contribuinte mais do que já faz para financiar as suas políticas públicas.

Outra decisão louvável do Senado foi acabar com as espertezas de Estados e municípios que incluem uma infinidade de gastos que nada têm que ver diretamente com a Saúde para dizer que cumprem os porcentuais fixados para o setor. Já não era sem tempo.

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