terça-feira, 1 de março de 2011

O cafajeste do smoking impecável

Arnaldo Jabor (*) para O Estado de S.Paulo

Um amigo chegou e me disse: "Pare de ser conspícuo e seja mais perfunctório..." Humilhado, resmunguei de cara limpa: "Claro, claro...". Corri ao Aurélio: "conspícuo" me parecia coisa de sexo, "concupiscência", mas não é; quer dizer "grave, sério, buscando a profundidade". Já "perfunctório" eu sempre desprezei; palavra feia, lembrando supositório, "perfunctórios de glicerina". Designa algo raso, rotineiro, óbvio.

Já contei que na internet rolam artigos que nunca escrevi sobre mulheres. São textos piegas, adocicados, com patéticos elogios à "mulherzinha objeto". Atribuíram-me uma crônica chamada "bunda dura", onde o falso eu fala que mulher pode ser bela com celulite e ter nádegas flácidas... Na rua, fui abordado por uma senhora fina que me declarou arquejante de orgulho: "Eu tenho bunda mole!" E saiu andando, em doce contentamento. Sou amado pelo que não escrevi. Por isso, por vingança e falta de assunto, hoje serei perfunctório sobre mulheres, neste texto apócrifo por mim mesmo.

Começo dizendo que é preciso muita atenção para saber se a mulher te ama mesmo ou se quer saber se é amada. Para o teste, Nelson Rodrigues criou a fórmula: "Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada, não há amor possível." Isso. A mulher está sempre atenta para saber se é amada ou não. Uma frase mal colocada, um olhar distraído para outra mulher podem deflagrar um drama de cinco atos. Tom Jobim sintetizou essa verdade universal, quando disse: "É... mulher enguiça!.." Essa frase é luminosa. Por exemplo, você foi jantar com ela, champanhe, flores, uma noite feliz e, de repente, você olha para o lado e ela está imóvel, olhando fixo para o nada, rosto duro. Pronto, enguiçou - igual a automóvel. Você implora uma explicação: "Que foi que eu fiz? Olhei para alguém?" Ela te fita com desprezo em lívido silêncio.

O pior é que isso te arremessa ao desesperante labirinto da D.R. (a "discussão da relação"). Nisso, elas nos dão banhos de dez a zero. Na D.R., elas fazem revelações terríveis, ódios secretos e fraquezas de menina. A mulher é mais verdadeira no ódio. Você fica emaranhado numa teia de acusações, lamentos, escárnio e é paralisado até a sentença final, como os machos de gafanhotos: "Eu sou boa e você é mau!"

Se você for realmente mau, saiba que isso é bom e lhe faz respeitado de forma oblíqua, sub-reptícia. "Meu marido é um canalha!" - geme a mulher para as amigas, com um tênue sorriso de orgulho. E as amigas suspiram, invejando-a pelo adorável canalha que a maltrata. Como são amados os malandros...

O fiel não tem graça. É tedioso, está ali para sempre, enjoado, sem drama. O canalha é aventureiro, malvado, encarna um sonho intangível para a mulher. Todo galã é impalpável. Uma mulher me falou: "Quando um cara me diz "eu te amo", perco o interesse na hora!"

Mulher desconfia de homem bom; o bondoso perde a aura de perigo, o bondoso humilha o favorecido - nada ofende mais que o benefício, nada agride mais que a bondade explícita.

Este texto está muito rodriguiano; aliás, Nelson me contou uma vez a parábola do "cafajeste do smoking impecável". A mulher insultava o amante aos berros; ele imóvel, num smoking perfeito, fumando de piteira, indiferente às ofensas que ela atirava, de dedo espetado e olho em brasa. Aí, ela arriscou: "Você não é homem!" O cafajeste jogou o cigarro fora, guardou a piteira com discreta elegância e assestou uma bofetada rutilante na mulher. Pronto! Banhada em lágrimas de paixão, ela agarrou-se às suas pernas. Era o amor, enfim.

Alguém disse que o desejo dos homens e mulheres é serem desejados. Ninguém ama um "sujeito". É impossível comer um "sujeito". O sexo exige objetos. Os homens pensam que são "sujeitos", donos de seu desejo; a mulher finge que acredita e se faz de "objeto" para ocultar o que realmente quer ser - toda mulher quer ser objeto, mas isso não as faz menos objetivas. Mesmo apaixonadas, as mulheres são pragmáticas; cada beijo tem a estratégia de um projeto de vida. Manipulam o galalau apaixonado, mais romântico e bobo que elas, que não entende que ela tem múltiplos sentidos e está sempre nos equivocando; não porque sejam "móbiles", frívolas, mas porque funcionam assim, como raízes buscando vida. A mulher não é linear e sucessiva; ela é constelada.

Por isso é que todas querem casar, para prender numa moldura a insuportável liberdade que pensam querer.

E muitas têm a secreta inveja da prostituta - pela coragem de viver uma vertigem de pecado e liberdade. "Por isso, certas esposas precisam trair para não apodrecer. Na mais degradada das prostitutas sobrevive algo de intacto, de intangível, de eterno. Esse mínimo de inocência sempre a salva." (N.R.)

E por aí vamos, baixando o nível para enxergar a verdade do óbvio.

O maior mistério que vivemos é a diferença entre sexos. Talvez o único mistério. Por mais que queiramos, nunca chegaremos lá. Há alguns exploradores: os veados, sapatões, travestis, que mergulham nesse mar e voltam de mãos vazias, pois nunca saberemos quem é aquele ser com útero, seios, vagina, aquele ser maternal, bom, terrível quando contrariado no "ponto g" da alma. Por outro lado, elas nunca saberão o que é um pênis pendurado, a porrada num jogo do Flamengo, nunca saberão do desamparo do macho em sua frágil grossura. Elas jamais saberão como somos.

A mulher se santifica quando é traída. A amante do marido sempre é uma "vaca ou vagabunda"...sempre. A mulher traída triunfa em sua dor e muitas não acreditam no abandono: "Ele me ama; não sabe, mas ama...".

E quando ela trai, sempre invoca o motivo mais alto: a paixão. A paixão da adúltera a justifica e absolve. Ela é conspícua; só o corno é perfunctório.

As mulheres são imprevisíveis como a natureza. O homem se crê acima, mas as mulheres estão dentro.

Elas ventam, chovem, sangram, elas têm inverno, verão, "TPMs", raiam com a luz da manhã ou brilham à noite, elas derrubam homens com terremotos, elas nos fazem apaixonados porque nelas buscamos um sentido que não chega jamais.

(*) Crítico, Escritor e Diretor de Cinema


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