quarta-feira, 30 de março de 2011

Rubens Paiva, um homem de bem

Luiz Caversan (*)

Quando fui morar no Rio de Janeiro no começo dos anos 90, para dirigir a sucursal carioca da Folha, instalei-me inicialmente num flat na rua Almirante Pereira Guimarães, Leblon. Ao contar que era pra lá que eu estava indo ao amigo Marcelo Rubens Paiva, escritor, cronista e dramaturgo, ele me disse: "Morei ali. Nossa casa ficava na esquina da Pereira Guimarães com a Delfim Moreira, de frente para o mar..."

À época, o máximo que fiz foi constatar que no lugar da tal casa existia um (mais um) edifício modernoso, como tantos que surgiram na orla carioca a partir dos anos 70, período a que Marcelo se referia.

E sempre que passava por aquele pedaço da praia lembrava da observação do Marcelo, imaginando como deveria ser bucólica a vida na agora movimentada avenida, mas sem nunca fazer a ligação óbvia: fora naquele endereço, naquela casa hoje inexistente que ocorrera talvez o crime político, crime de Estado, mais vergonhoso da história recente do país: a prisão, com posterior desaparecimento, do empresário e ex-deputado Rubens Paiva, pai de Marcelo, pai de família, um democrata, um homem de bem.

No dia 21 de janeiro de 1971, agentes da ditadura militar, não-identificados e fortemente armados, tiraram Rubens Paiva de sua casa, onde vivia legal e pacatamente, na frente da mulher e dos filhos, levando-o para uma instalação militar no bairro da Tijuca, a pretexto de prestar um depoimento. Trata-se da a última vez que Paiva foi visto pelos seus.


A mulher Eunice e a filha Eliana chegaram também a ser presas no mesmo lugar, ameaçadas de tortura, mas foram soltas depois.
Rubens não.

Rubens foi torturado barbaramente, segundo relatos colhidos ao longo dos anos, e morreu nas mãos de seus algozes, que trataram de fazer desaparecer seu corpo.

Como exatamente, onde exatamente, quando exatamente morreu e onde foi parar o corpo de seu pai é uma dúvida que meu amigo Marcelo e sua família carregam há 40 anos.

Uma angústia, uma perda e um carma com o qual tiveram de aprender a conviver sem que lhes perguntassem se queriam ou não, se podiam ou não.

Rubens nasceu em Santos em 1929 e foi morto no Rio com apenas 42 anos. Não era um criminoso, era um pai de família, um empresário, um homem agradável, divertido, amigo dos amigo, honesto e amoroso. Um político cassado porque queria o melhor para o seu país de uma maneira diferente do que aquela pretendida pelos militares ditadores, que não admitiam ser contrariados.

Anos atrás, o Estado brasileiro reconheceu a responsabilidade pela morte de Rubens, finalmente foi expedido atestado de óbito, houve indenização, o que é correto, mas tudo é insuficiente: seu corpo nunca foi devolvido a seus familiares, da mesma forma que seus carrascos jamais identificados, muito menos punidos.

Há diversos relatos e depoimentos dando conta de conflitantes versões sobre seu paradeiro. No entanto, nunca houve um empenho verdadeiro e efetivo por parte do Estado brasileiro para que essa mácula da nossa história fosse definitivamente esclarecida.

Talvez o seja um dia, e não será tarde para que sua memória e o sofrimento de sua família sejam finalmente respeitados.

Para quem quiser conhecer um pouco mais da história deste brasileiro admirável e que simboliza os anos terríveis que este país passou muito recentemente, duas dicas:
Neste sábado 26 de março, familiares, amigos e admiradores de Rubens Paiva se reúnem na abertura da exposição 'Não tens epitáfio, pois és bandeira', que reconstitui parte da trajetória de Rubens Paiva, no Memorial da Resistência de São Paulo (Largo General Osório, 66 - Luz), a partir das 11h.

E está nas livrarias 'Segredo de Estado - O Desaparecimento de Rubens Paiva', (Objetiva, 331 págs.) do escritor Jason Tércio. Trata-se de um grande esforço documental e biográfico, mesclado a trechos de ficção, que dá bem a medida de quem foi e o que aconteceu com Rubens Paiva.

Um homem de bem.

(*) Jornalista, produtor cultural e consultor na área de comunicação corporativa da Folha de São Paulo.

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