Eliane Cantanhêde (*)
A vinda ao Brasil do presidente da grande potência tem, sim, uma simbologia forte e animadora, ainda mais no exato dia do início do bombardeio da Líbia. E a família Obama realmente é impressionante: altiva, carismática, simpática.
Mas, peraí, não precisa exagerar. Quem ficou extasiado com Barack Obama dizendo que tem 'apreço' pela pretensão brasileira de ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança deve parar, pensar e ver que não foi essa Brastemp toda.
Quem fala em 'apreço' é porque não quer usar 'apoio'. Pior: não quer usar 'apoio', mas tem de dizer alguma coisa. E alguma coisa que seja simpática, mas não comprometedora. É assim como dizer por dizer, só para agradar o interlocutor, sem assumir compromisso nenhum.
Convenhamos que é muiiiiiiito diferente do apoio (olhaí a palavra chave) que Obama deu à inclusão da Índia no Conselho. Também, pudera. Veja bem onde a Índia está metida, ali pertinho do Paquistão, por exemplo.
Assim, esqueça esse negócio de que Obama tem 'apreço' pela entrada do Brasil onde quer que seja, porque não significa nada. A importância da viagem é que ele veio, trouxe a família inteira e resistiu à óbvia tentação (e pressão) para cancelar a vinda e cuidar das bombas na Líbia.
Vale o gesto, vale o sorriso, valem os adjetivos. Ah! E ficou nisso mesmo: adjetivos. De concreto, os resultados são muito poucos. O empresariado nacional e alguns ministros torcem para que vão surgindo a médio prazo.
Rei morto, rei posto. Obama embarcou no Air Force One de manhã e à noite o Brasil já divulgava nota pedindo o cessar-fogo na Líbia. No dia seguinte, o governo brasileiro já acordava pensando no passo seguinte: a viagem de Dilma à China, em maio, logo aí.
Enquanto o maior deficit comercial do Brasil é com os EUA --que ficou próximo aos US$ 8 bilhões em 2010-- a China é um manancial de investimentos. Primeiro, focou a Austrália. Depois, desviou para a África. Agora, seu alvo é a América do Sul, que recebeu em 2010 US$ 29,5 bilhões em investimentos chineses.
Isso é mais ou menos o dobro do que a China investiu na África no mesmo ano, e metade vem parar no Brasil. Eles investem aqui, por exemplo, em minério de ferro, cobre e petróleo, claro.
É preciso, porém, saber a qualidade do investimento e como beneficia o Brasil. Numa equação simples e não muito animadora, o Brasil vende matéria prima para a China e, com os recursos, compra manufaturados dos EUA. Parece ou não parece haver algo intrigante aí?
Dilma Rousseff, portanto, quebra a cabeça com as duas grandes incógnitas mundiais deste século: os EUA e a China. Vamos convir que é bem mais eletrizante do que discutir os cargos de segundo escalão.
(*) Jornalista e colunista da Folha de São Paulo desde 1997
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