Opinião do Estadão
Já vão longe os tempos em que a posse de terras em áreas diversas do território nacional poderia ser considerada como reserva de valor por pessoas físicas ou jurídicas, transferindo-se do presente para o futuro o potencial produtivo de uma propriedade rural. Com o crescimento da produção agropecuária do País, a alta das commodities no mercado internacional, a importância crescente dos biocombustíveis, a mais intensa exploração das riquezas do subsolo e a necessidade de preservar florestas e campos nativos, as terras são hoje ativos de grande importância econômica. Portanto, é natural que tenha aumentado o interesse estrangeiro em investir em imóveis rurais em território nacional, o que pode ser benéfico, desde que não ultrapasse os limites estabelecidos em lei. Segundo o cadastro oficial do Incra, 45 mil quilômetros quadrados de terras brasileiras são atualmente propriedade de estrangeiros, o que equivale a 20% da área do Estado de São Paulo. Estimativas independentes indicam que o total talvez seja três vezes maior.
Não se trata de impor restrições ao capital estrangeiro, mas simplesmente de exigir o cumprimento da legislação em vigor no Brasil (Lei 5.709, de 1971), que não é discrepante com relação às leis adotadas por outros países do mundo. De acordo com o texto legal, cidadãos de outra nacionalidade ou empresas controladas por capital estrangeiro estão impedidos de adquirir imóveis rurais acima de 50 módulos fiscais, que variam entre 250 e 5 mil hectares, dependendo da região do País. Além disso, estrangeiros não podem comprar terras que representem mais de 25% da área de um município.
Nos últimos anos, com o maior número de operações pelas quais empresas nacionais transferiram o seu controle acionário para empresas do exterior, verificou-se que estas acabaram se tornando proprietárias de terras no Brasil que excedem em muito os limites estabelecidos, o que tem sido considerado, em alguns casos, como um subterfúgio para fugir às determinações legais.
O tema já foi objeto de um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) em agosto do ano passado, reafirmando a validade da legislação de 1971 e recomendando medidas para evitar a concentração de terras em mãos de estrangeiros. Nesta semana, a AGU voltou à carga, emitindo um aviso encaminhado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que deve repassá-lo às juntas comerciais, de modo a bloquear a transferência de terras para estrangeiros em razão de fusões ou incorporações.
A medida exigirá uma colaboração efetiva dos 3.224 cartórios hoje existentes no País, o que envolverá muita papelada burocrática, especialmente se a legislação, reafirmada pela AGU, for aplicada retroativamente. Na realidade, seja por omissão dos cartórios, seja por falha do Incra, não existe até hoje um levantamento confiável sobre a dimensão das terras cuja titularidade é de estrangeiros. Há quem alegue que, principalmente depois do parecer da AGU do ano passado, empresas do exterior tenham utilizado a intermediação de terceiros para comprar terras no País, mas não há dados que o comprovem.
Como noticiou o jornal Valor (17/3), a AGU enviou ofício reservado ao Ministério da Fazenda solicitando a criação de regras, por meio de instruções da Comissão de Valores Mobiliários, com relação à aquisição de ações de controle de companhias brasileiras detentoras de terras por investidores estrangeiros. A questão é extremamente complexa, uma vez que papéis de empresas brasileiras são hoje cotados também na Bolsa de Nova York e em outros mercados. Vale notar que o fluxo de investimentos estrangeiros diretos, de modo geral, tem sido particularmente forte na exploração de minério de ferro e produção de etanol.
O que se pode prever é que se tornem mais comuns as joint ventures entre empresas nacionais e estrangeiras, com predomínio do capital brasileiro, nas áreas de mineração ou dedicadas à agropecuária, hoje as mais dinâmicas da economia nacional.
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